quarta-feira, outubro 01, 2025

FIDELIDADE, UMA DEUSA DA HERANÇA ETNO-RELIGIOSA OCIDENTAL

Fides e Marte apertando as mãos

No primeiro dia de Outubro celebrava-se na Roma antiga, raiz civilizacional e parcialmente étnica de Portugal e do Ocidente, o «dies natalis» ou «dia do surgimento» de um templo dedicado a Fides, personificação divina da Fidelidade. Nesta data, os três Flâmines Maiores (sacerdotes devotados a um Deus em particular), Flamen Dialis (Flâmine de Júpiter), Flamen Martialis (Flâmine de Marte), e Flamen Quirinalis (Flâmine de Quirinus), guiavam uma procissão ao Capitólio, dentro de um carro coberto. Com os dedos das suas mãos direitas envoltos em tecido branco, realizavam sacrifícios às Divindades Fides e Honos. O poeta Horácio reforça o valor do pormenor da mão coberta de tecido branco ao descrever a estátua da Deusa: «Rara Fidelidade, a Sua mão atada com pano branco».
Isto corrobora a descrição de Tito Lívio [ «Ab Urbe Condita», 1.21.4 ] do culto de Fides instituído pelo rei Numa Pompilius:
«Também instituiu um sacrifício anual à Deusa Fides e mandou que os flâmines fossem para o Seu santuário numa biga coberta, e que executassem o serviço religioso com as suas mãos cobertas até aos dedos, para significar que a Fidelidade deve ser protegida e que o Seu assento é santo mesmo quando está nas mãos direitas dos homens».
Os ritos cerimoniais incluíam a purificação e a comemoração do juramento, sendo depois seguidos de festejos.

Trata-se de um ritual que parece ser da maior importância no contexto religioso da Romanidade, e, em termos do estudo de História das Religiões, tem sido um dos elementos cuja análise contribui para a promoção da teoria trifuncional de Georges Dumézil, segundo a qual os Romanos, sendo Indo-Europeus, têm uma tríade divina na qual um dos Deuses representa a primeira função indo-europeia, a da soberania, do poder mágico e da justiça (Júpiter), outra das Deidades representa a segunda função indo-europeia, a da guerra (Marte), e a terceira Divindade representa a terceira função indo-europeia, a da fertilidade e da produção (Quirinus), isto porque neste ritual, de cariz provavelmente muito arcaico, os sacerdotes desta tríade trifuncional participam num ritual que parece fortalecer a coesão da comunidade.
O detalhe da mão direita oculta é, repete-se, de grande relevância, porquanto evoca a importância da mão no juramento, uma vez que o ritual é realizado em honra precisamente da Fides, conceito de valor crucial para a generalidade dos povos Indo-Europeus. Não é certamente por acaso que dois dos mais importantes Deuses arianos da Índia, Mitra e Varuna, sejam padroeiros do Contrato e do Juramento, respectivamente.
Na tradição nórdica, na céltica e na romana, há uma figura mitológica (historicizada em Roma) que não tem a mão direita e representa de algum modo a Fidelidade, a Justiça, o Juramento (o Direito): Tyr, do panteão escandinavo, sacrifica uma das mãos para que o lobo Fenrir, inimigo dos Deuses, possa ser preso; Nuadu, rei (soberano de jurista) dos Tuatha de Dannan, (que são os Deuses irlandeses mais importantes), perdeu um/a braço/mão em combate; o romano Mucius Scaevola sacrificou uma mão sobre um braseiro para mostrar ao inimigo que não tinha medo de sofrer e que por isso não iria trair a Pátria.
A respeito de Nuadu, é interessante notar uma coincidência que pode revestir-se de grande valor simbólico: sabendo-se que foi por vezes considerado o mesmo que Neit, outro Deus irlandês, menos conhecido, mas mais categoricamente ligado à guerra, e sabendo-se que na Ibéria existiu o culto a um Deus da Guerra Luminoso chamado Neton, torna-se particularmente interessante que no norte da Celtibéria tenha sido encontrada uma inscrição na qual se lê a palavra «Neitin», junto da qual se encontra o desenho de uma mão, talvez uma mão cortada; de notar que os Lusitanos cortavam a mão direita aos inimigos vencidos. Na Lusitânia foi achada uma inscrição dedicada a Netus e outra a Netoni.

Disse Silius Italicus, em «Punica» 2.484-87, a respeito da Deusa Fides:
«Deusa mais antiga do que Júpiter, virtuosa glória de Deuses e de homens, sem a qual não há paz na Terra, nem nos mares, irmã da IustitiaFides, silenciosa Divindade no coração dos homens e das mulheres

Fides é pois um dos principais constituintes da identidade romana, bem como de outros povos indo-europeus.

O motivo de este dia Lhe ser consagrado deriva do facto histórico de ter sido num primeiro de Outubro que se dedicou um templo à Fides Publica no monte Capitólio (em 258 a.c./495 a.u.c., ou em 254 a.c./499 a.u.c.). Este santuário era usado em certas ocasiões para reuniões do Senado, e cópias de acordos internacionais eram afixadas nas suas par
edes.

A QUEM PERTENCE DE FACTO A CISJORDÂNIA


 

... COMEÇA OUTUBRO, CONSAGRADO A MARMAR...

Estátua de guerreiro romano encontrado nas ruínas das termas romanas dos Cássios em Lisboa. Reconstituição de J.Espinho segundo a descrição que se conservou e publicada por Augusto Vieira da Silva na sua obra " Epigrafia de Olisipo: (subsídios para a história da Lisboa romana)" em 1944

É uma coincidência no mínimo interessante que a figura marcial acima exposta não tenha a mão direita, eventualmente por degradação acidental do material... a imagem traz à mente que na Lusitânia se oferecia a mão direita dos guerreiros vencidos aos Deuses, talvez aos da Guerra, tal como sucedia na Cítia, outra nação indo-europeia, com laços que a ligam aos Celtas arcaicos. Os Citas ofereciam o braço direito dos guerreiros inimigos em sacrifício ao Deus da Guerra. Ora na Irlanda uma das principais Divindades é Nuadu do/a Braço/Mão de Prata - Nuadu Airgedlamh - que perdeu um/a braço/mão em combate recebendo em contrapartida um/a braço/mão de prata. E, na Celtibéria, encontram-se várias imagens de mãos direitas num monumento em que aparece o teónimo «Neitin». Neitin é eventualmente o mesmo que Neton, Deus da Guerra celtibérico, Cujo nome tem toda a parecença com o de Net ou Neit, Deus da Guerra Irlandês. Em Conímbriga encontrou-se uma inscrição dedicada a um Netus; em Cáceres, que fazia parte da Lusitânia, outra inscrição é dedicada a um NetoniNeton é um Deus luminoso, segundo o testemunho de Macróbio, que diz que os Accitani veneravam com a maior devoção um «Marte», portanto, um Deus da Guerra, ao Qual chamavam Neton, que parecia ornada de raios, talvez porque brilhasse. Na figura acima a ideia de brilho está presente no tronco, atrás do escudo.

Marte, o Marte propriamente dito, latino, é tido na tradição romana como o Pai dos Romanos, Mars Pater, devido ao mito de o fundador de Roma, Rómulo, ser filho de Marte e da vestal Reia Sílvia. Na Roma arcaica, Marte formava uma tríade com Júpiter e Quirino, tendo porventura devido a isso um flâmine maior. Os flâmines eram os sacerdotes dedicados ao culto de um Deus em particular. Existiam quinze, três «maiores», e treze ditos «menores». O de Marte, flâmine martialis, é um dos três maiores, segundo em importância relativamente ao de Júpiter.

Marte, protector de Roma, é não apenas Deus da Guerra mas também da Agricultura. Nalguns locais é ainda um defensor contra as doenças, como sucede na Gália, onde o culto de Mars Lenus tem carácter salutífero, tratando-Se porventura de um sincretismo com alguma Divindade local céltica. Actualmente, o rico e bem organizado património turístico na Alemanha permite uma visita ao templo de Mars Lenus em Marberg («Monte de Marte» em Alemão) por dois euros, com direito a permanecer no templo por muito tempo, deixar moedas de oferenda, até mesmo queimar incenso. Há até possibilidade de encomendar bolos no café local, com uma semana de antecedência, como se pode ler aqui (em Alemão): http://incipesapereaude.wordpress.com/