ABECÁSIA - PERMANÊNCIA DO PAGANISMO, LEIA-SE, DA RELIGIÃO NACIONAL
A transição é possível através do ritual, através da celebração. Um feriado como ato de solene renovação da vida requer uma parada, um comportamento especial que é diferente da vida cotidiana, ou seja, um tempo interrompido que exige uma atitude especial em relação a si mesmo para continuar.
Se nos voltarmos para a etimologia da palavra abkhaz anyhwa 'festival' [em Russo prazdnik] - bem, significa 'oração', acompanhada de alegria (para comparação, a palavra russa prazdnoe 'ocioso' é 'livre de trabalho'). No festival são reflectidos todos os aspectos da cultura e da vida quotidiana das pessoas, desde as crenças religiosas até às actividades económicas. Este é o momento em que as representações mitológicas e os cultos meio esquecidos ganham vida.
A tradição do festival das Calendas transforma-se dependendo das condições sócio-económicas, políticas e sócio-culturais. Sem dúvida, pode-se argumentar que crises, longas guerras, despejos em massa (o makhadzhirstvo [Grande Exílio] do século XIX, que foi tão catastrófico para o povo – NB), a colonização, a colectivização e o ateísmo do período soviético levaram a uma simplificação, empobrecimento da cultura da festa, às vezes tanto que em alguns casos restaram apenas fragmentos da celebração. Além disso, infelizmente, os costumes e rituais das calendas dos Abkhazianos pertencem ao número de secções de etnografia insuficientemente estudadas.
Seja como for, graças ao tradicionalismo e conservadorismo característicos da cultura abecásia, rituais arcaicos e práticas cerimoniais com mil anos de história, como a Azhyrnyhwa, sobreviveram até hoje. E hoje [13 de Janeiro] abre o ciclo de Inverno dos tradicionais rituais de calendas de clãs familiares dos Abecásios. Este feriado é comemorado na noite de 13 para 14 de Janeiro, ou seja, 1 de Janeiro de acordo com o estilo antigo (ou seja, de acordo com o calendário juliano, substituído pelo calendário gregoriano em 1918).
Se uma família tem uma forja como santuário e os seus principais atributos (bigorna, martelo e tenaz), então a oração é mais frequentemente realizada em dias especiais (azhiramSHy) – principalmente Lues e Joves, embora haja excepções. Por exemplo, a família Kvaratskhelia na aldeia de Duripsh realiza-o na Mércores, enquanto para alguns ocorre na Vernes e noutros dias. As discrepâncias frequentemente encontradas e a falta de uniformidade completa desse rito estão associadas tanto à história familiar (como se tornaram 'afluentes' da ferraria – NB) quanto ao carácter familiar do próprio ritual.
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Falando sobre o Ano Novo em geral, no curso do desenvolvimento histórico, nem a data do Ano Novo nem as formas dos rituais festivos dos Abecásios permaneceram inalteradas.
Parece-nos que o ciclo festivo de Ano Novo mais arcaico dos Abecásios ocorreu no final do período de Inverno, na véspera da Primavera, como na maioria dos Povos do mundo. O feriado começou no último mês de Inverno (de Fevereiro a Março – NB) - este é um ciclo ritual de orações “dzhabran”, “zhwabran”, terminando com a oração “xwazhwk'yra”. Talvez anteriormente, o festival em termos de tempo terminava no dia do Equinócio Vernal em Março.
Com o início da Primavera, começou um novo ano económico e, nessa altura, todas as actividades rituais relacionadas com o cuidado da fertilidade, criação de gado e bem-estar das pessoas foram realizadas.
Quanto à oração Azhyrnyhwa (ou frequentemente chamada Xjachxwama em Bzyp Abkhazia), da qual estamos a falar hoje, está associada à Divindade sétupla do culto do ferreiro e ao ofício do ferreiro Shashwy (Shashwy-abzhnyxa 'sete santuários'), Shashwy-axjahdu ('Grande Senhor Dourado'), e refere-se mais ao período do Solstício de Inverno.
Isto é, se o ciclo de orações para a não menos antiga Divindade sétupla Aitar termina no Equinócio da Primavera, então a oração a Divindade sétupla Shashwy, provavelmente, estava associada ao Solstício de Inverno. Na véspera do Ano Novo segundo o calendário lunar, "mas muitos no seu primeiro dia sagrado, e isto certamente à noite", enfatiza o etnógrafo NS. Dzhanashia.
Qualquer festival tem o seu próprio tempo sagrado ou faz este tempo e requer um espaço sagrado apropriado. Gostaria de chamar a atenção mais uma vez para a importância da data-calendário também porque nos últimos anos, em programas e publicações (não académicas!), erroneamente começou a ser dito que a oração Azhyrnyhwa pode ser realizada durante todo o mês, sempre que quiser, referindo-se a este respeito o facto de que o próprio mês é chamado Azhyrnyhwa. Então, de acordo com esta lógica, verifica-se que outros festivais do calendário dos Abkhazianos AmSHap (Páscoa), Nankhwa, Zhwabran podem ser realizados em qualquer dia do mês de mesmo nome.
A singularidade da oração do festival Azhyrnyhwa é que, ao contrário da esmagadora maioria dos nossos rituais tradicionais, ela está associada à Lua, e não ao Sol, embora, como observado acima, possa ter sido relacionada com a época do Solstício de Inverno.
Estamos a falar do simbolismo solar-lunar do festival dedicado à divindade ferreira Shashwy. Todos os preparativos e sacrifícios (abate de uma cabra, galos – NB) ocorrem de noite, antes e depois do pôr-do-Sol. A oração ocorre ao luar e deve ser concluída antes do pôr da lua.
Sobre a ligação entre a oração do festival Abkhazian sob exame e o culto da lua Nikolai Ja. Marr escreveu: "... caiu ou foi ajustado para a Lua nova e começou com a ascensão da Lua. Aqueles que iam ao ferreiro para rezar diziam: 'A Lua levar-nos-á ao ferreiro.' A oração tinha que terminar antes do pôr do Sol do novo e jovem mês. A iluminação da Lua é considerada auspiciosa para a oração.” A julgar pelos materiais do arquivo de Nikolai Marr, esta observação sobre a ferraria foi registada por ele em 1913 durante uma viagem à Abkhazia.
O etnógrafo GF Chursin registou na década de 1920 na aldeia de Achandara que, entre os Abecásios, “A oração de um ano na ferraria é organizada de tal maneira que pode ser completada antes que a Lua se ponha. E ainda, se eles não conseguirem realizar todo o rito sob a luz da Lua (de vez em quando não é necessário – NB), podemos ouvir dos mais velhos: Amza hananamgeit' ('a Lua não nos apanhou lá').'
No seu maravilhoso artigo sobre este tópico, o historiador Vladislav Ardzinba enfatiza que o tempo do ritual Azhyrnyhwa de acordo com o calendário lunar em Abkhaz ecoa com sons como aSHykwseijwySHara 'o momento da divisão do ano', amSH az.hara ianalago 'quando o dia começa a crescer'. De acordo com as ideias mitológicas dos Abecásios, o início do aumento da duração do dia a 14 de Janeiro está associado ao facto de o Senhor atirar calor ao mar do tamanho de uma pedra polida (polida para milheto – NB). "Lahwarak jaq'arow apxara Antswa amSHyn jalajyzhweit' [Deus lança calor do tamanho de uma ferramenta de debulha ao mar]", escreve V. Kvitsinia no seu manuscrito.
A este respeito, é de salientar que em 2018 na aldeia de Otkhara, Região de Gudauta, na família de Boris Ajba, registámos uma parte já rara do ciclo-ritual Azhyrnyhwa, ritual que se realiza de manhã no dia de oração e que se chama Apkhynnyxwa, que é 'oração de Verão'.
Desde 1994, o dia 14 de Janeiro na Abkhazia foi oficialmente marcado no calendário como o dia de descanso do festival Azhyrnyhwa, o Dia da Renovação (Criação) do Mundo.
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Marina Bartsyts é uma antropóloga da Abkhazia.
8 Comments:
realmente, louvável, se não fosse pela história Abecásia ao entrar em guerra com a Geórgia, promoveu uma limpeza étnica, a saber, mataram pessoas com a mesma origem que a delas. Por aí vês o absurdo do racismo e da xenofobia. Diga0-se de passagem que essa região não é nem Europa nem Ásia, mas porque são brancos, tu dás tratamento especial.
Louvável, se os Abecásios não estivessem maculados com o crime de limpeza étnica que cometeram contra os Georgianos, a despeito das origens em comum. Com isso se vê o absurdo do racismo e da xenofobia.
«Louvável, se os Abecásios não estivessem maculados com o crime de limpeza étnica»
Ai por causa de um acto de guerra numa determinada época recente, toda a estirpe abecásia fica manchada e, por isso, o seu apreço pela sua identidade religiosa deixa de ser louvável... Enfim, é a velha tara do complexo de culpa colectivo diante do Outro, o «racismo» como crime capital - é de esperar que o autor da frase também condene quem quer preservar a cultura Utu depois do genoício cometidos por utus contra tutsis em África... a menos, claro, que se arranje maneira de culpar o Europeu por isso...
Enfim, como se diria em brasileirês, é «filôsôfia dji quinta», ou, no caso, «dji Quintas», que vai dar precisamente ao mesmo.
A loucura do racismo e da xenofobia que foi demonstrada nesse facto histórico convenientemente tu esquece...
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio_em_Ruanda#:~:text=O%20genoc%C3%ADdio%20de%20Ruanda%2C%20tamb%C3%A9m,a%20Guerra%20Civil%20de%20Ruanda.
Então, sim, o genocídio foi resultado da colonização europeia. Mas ignorar história, sociologia, antropologia...
https://www.google.com/amp/s/noticias.r7.com/internacional/qual-a-relacao-do-genocidio-em-ruanda-com-belgica-franca-e-eua-02052021%3famp
Mais evidências de que o genocídio foi resultado da colonização europeia.
Não, não há evidência nenhuma, nem num link nem noutro - apenas especulações desonestas e insinuações da mesma água (suja), típica, de resto, dos teus donos. Portanto, os Europeus já largaram as colónias há décadas, mas os negros coitadinhos não são humanos o suficiente para se controlarem, são como uma espécie de animais predadores que, se forem postos na mesma gaiola que uma presa, não têm culpa se a vitimam, pois que ninguém culparia uma raposa se alguém a pusesse dentro de um galinheiro..
Com efeito, essa espécie de «gente» odeia tanto os Europeus que não tem pudor em pura e simplesmente infantilizar os Africanos, tratanto-os como inimputáveis, o que contrasta ridicualamente com a sua pretensão de anti-racismo...
«A loucura do racismo e da xenofobia que foi demonstrada nesse facto histórico»
O que foi demonstrado foi exacta e rigorosamente o contrário - que o imperialismo universalista despreza as identidades étnicas e por isso comete crimes inomináveis.
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