SOBRE CONFINAMENTO E SEUS EFEITOS PSICOLÓGICOS NA POPULAÇÃO
Recordo, desde o início da pandemia, o que se dizia, nos anos setenta e oitenta, que seria a vivência, nos abrigos a catrefas de metros de profundidade, dos sobreviventes a uma eventual guerra nuclear. Uma vida triste, sombria, pouco menos que desesperada, durante décadas, antes que a superfície sob o céu fosse novamente habitável para seres humanos. Não me lembro, sinceramente, de se falar, nessa época, na incapacidade psicológica das pessoas para estarem fechadas nas profundezas da terra. Abordava-se a questão da alimentação, dos cuidados médicos, das radiações, não do enlouquecimento em massa por não se poder pôr os butes fora da toca. Tenho até uma vaga noção, sem poder citar exemplo algum, de que quando em filmes nos quais se mostravam pequenos grupos humanos cercados ou impedidos de fugir, era apenas a personagem mais visivelmente desequilibrada ou de carácter mais quebradiço que se descontrolava e perdia as estribeiras. Ora desde 2020 que boa parte das conversas mediáticas sobre o confinamento são sobre os efeitos psicológicos do confinamento, confinamento este que consiste simplesmente em ter de ficar no seu apartamento a ver televisão e a poder abrir a janela quantas vezes se quiser, bem como a poder fazer o seu passeio higiénico diário e até compras em supermercados, algo um bocado diferente de ter de viver num fosso durante anos e anos a comer enlatados sem poder ver a luz do dia, ou sequer a da noite. Em trinta ou quarenta anos, ficou a população mais exigente quanto ao seu conforto, mais sensível também, mais susceptível, eventualmente mais caguinchas. Que se sofra com o desemprego causado pelo confinamento, é óbvio e lamentável, mas que se continue a fazer coro de carpideiras por ter de ficar em casa como quem está num hotel (pode-se em muitos casos fazer mais coisas nestas condições do que se podia por exemplo fazer numas férias na ilha de Tróia nos anos oitenta), é um exagero ridiculamente afectado de quem não tem que fazer.
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