quarta-feira, agosto 25, 2021

NOVO ESTUDO INDICA CORRELAÇÃO ENTRE GRAMÁTICA E IDENTIDADE HISTÓRICA DE UMA NAÇÃO

Uma equipe internacional de pesquisadores rastreou famílias de línguas relacionadas ao longo de mais de 10.000 anos, combinando dados de genética, linguística e musicologia usando novos métodos numéricos, e, para eles a gramática reflecte melhor a pré-história comum de uma população do que qualquer outra característica cultural.

Atlântico: O seu estudo mostra que a estrutura gramatical se correlaciona com a história genética da população. Quão forte é essa correlação, como a identifica?
Peter Ranacher:  Comparámos os genomas com dados numéricos sobre linguagem (regras gramaticais, sons, listas de palavras) e música. Compreendemos o que é chamado de análise de redundância (RDA). O RDA estima quanto da variação num conjunto de dados pode ser explicado pela variação noutro conjunto. Descobrimos que mais de 50% da variação da gramática pode ser explicada pelos genes e vice-versa. Esta relação é estatisticamente significativa, o que é uma forte evidência contra a possibilidade de que os resultados foram devidos ao acaso.
Identificámos três explicações possíveis para o porquê de vermos uma relação entre gramática e genes nos nossos dados. 
A primeira explicação sugere que detectámos vestígios de contacto muito recentes. As populações que estão próximas no espaço têm genes e gramática semelhantes porque os membros dessas populações interagem entre si até hoje. 
A segunda explicação sugere que encontramos traços de descendência partilhada, aproximadamente a idade das famílias linguísticas actuais: algumas das populações na nossa amostra pertencem às mesmas famílias linguísticas e observamos semelhanças que foram fielmente herdadas nessas famílias. 
A terceira explicação é a mais fascinante.  Fomos capazes de mostrar, em bases estritamente estatísticas, que ancestrais partilhados e contactos recentes não explicam essa relação, sugerindo que a gramática reflecte a história da população mais de perto do que quaisquer outros dados culturais.

Atlântico: Concretamente, o que pode a gramática ensinar-nos sobre a história antiga e a evolução das populações?
Balthasar Bickel: A gramática permite-nos ver e reconstruir a história comum das populações numa profundidade temporal que não pode ser alcançada através do estudo de palavras, sons ou música. Além disso, a gramática ensina-nos que esta história comum não era como uma simples árvore em que as populações se isolaram depois de se terem separado geneticamente. Ao contrário, as populações devem ter entrado em contacto várias vezes. É por esta razão que as gramáticas foram assimiladas umas às outras.

Atlântico: Até que ponto a gramática é uma ferramenta melhor do que a abordagem lexical, genómica ou mesmo musical? 
Balthasar Bickel: É uma ferramenta melhor apenas quando se quer ir além de famílias individuais de línguas relacionadas. Mas isto é importante porque metade das famílias conhecidas no mundo contém apenas um membro (o basco é sua própria família, sem outros parentes) e não há como reconstruir a história antiga a partir deste único ponto de dados. Portanto, é necessário estudar conjuntos inteiros de famílias (quer tenham um único membro ou um grande número de membros). O nosso estudo confirma hipóteses mais antigas de que a gramática pode rastrear relacionamentos antigos entre famílias, e este é o primeiro estudo a mostrar isto com base em dados genéticos sobre relacionamentos antigos entre populações.

Atlântico: Quais são os limites dos seus resultados?
Peter Ranacher: No nosso estudo, concentrámo-nos em 11 famílias de línguas no Nordeste da Ásia. Embora a região seja cultural e linguisticamente muito diversa, seria interessante realizar uma análise semelhante noutras regiões - ou melhor ainda, globalmente - para confirmar os nossos resultados. Conseguimos dar um pequeno passo mais perto de compreender a história cultural da humanidade, mas serão necessárias análises adicionais para compreender a complexa teia de evolução cultural e genética.

*

Fonte: https://atlantico.fr/article/decryptage/et-si-notre-histoire-ancienne-etait-inscrite-dans-notre-grammaire-balthasar-bickel-peter-ranacher?fbclid=IwAR0I4mqo6xtYmD2jnA-voaodlt5wYMf3s_vKwY5rPFZ5D82YjBxspaQe6f8