SOBRE O SIGNIFICADO FEÉRICO DO SOLSTÍCIO DE VERÃO
As fadas povoam o imaginário das culturas clássica, celta, galo-romana e
ibérica, surgindo, com características subtilmente distintas, quer na época a
que se referem, quer no contexto folclórico em que estão inseridas. A fada da
cultura clássica está mais próxima das versões míticas, assumindo contornos
diferentes na passagem para a Idade Média, em que uma outra variante, a
celta, hegemoniza os padrões femininos do encantamento e, em contacto
com rituais autóctones do domínio romano, mistura-se com as personagens
feéricas galo-romanas.
(...)
Niniane é a “Dama do Lago” (lago de Diana, sua madrinha e protectora).
É lá que vive num sumptuoso castelo e cria três dos principais heróis do ciclo
arturiano (Lancelot, Boors e Lionel). Morgain, fada simultaneamente temida
e poderosa da Matéria da Bretanha, é outra dessas figuras ligadas ao elemento
aquático, cujos nomes Morg-wen (espuma do mar), Murigena (“nascida do
mar”, em gaélico) ou ainda Muirgen (um dos nomes da mulher aquática Liban
na mitologia irlandesa) se relacionam com “Merrow”, do gaélico “murúch”
ou “muir-gheilt”, as sereias na mitologia irlandesa e escocesa, ou ainda as
“morgans”, sereias da Baixa Bretanha, etimologias que parecem remeter para
o imaginário não só aquático como semântico das mouras.
A água é local de encontros com fadas. No Lai de Lanval de Marie de
France, o herói cavalga junto a um curso de água, onde duas donzelas o
conduzem aos aposentos da sua dama, que requer o seu amor. O início do
Tristan en prose, do séc. XIII, narra uma peripécia de Sador, um dos doze
filhos de Bron, com uma misteriosa dama vinda das águas. Ao cavalgar junto
ao mar, Sador encontra uma nave com todos os navegantes mortos, à excepção
de uma bela donzela, Chelinde, filha do rei da Babilónia, prometida ao rei da
Pérsia, mas que Sador faz baptizar para casar com ela. O episódio encontra
alguma semelhança com De Nugis Curialium de Gautier Map (séc. XII).
Aqui conta-se a história de Henno “dos dentes grandes”: uma dama, noiva do rei de França, sobrevive a um naufrágio e conhece Henno, a quem conta a
sua história, que é semelhante à de Melusina, que se transforma em dragão e
desaparece pelo tecto ao contacto com água benta.
(...)
Esta fada-moura encontra eco na figura da moura peninsular, a qual não
provém necessariamente da cultura árabe invasora, mas sim do imaginário
feérico espacial herdado da cultura galo-romana e celta. Segundo Consiglieri
Pedroso, “as mouras encantadas eram divindades ou génios femininos das
águas (…). Eram também os génios que guardavam os tesouros escondidos
no centro da Terra” (Pedroso 1988 217). A moura, do latim “maura” (moura)
ou do celta “mahr” (espírito), é uma variante peninsular dessa fada, sendo as
narrativas sobre ela esquemas simbólicos que se repetem.
(...)
Almeida Garrett refere-se às “mouras
encantadas” (que penteiam os cabelos nas noites de São João junto às fontes)
equiparando-as aos poderes mágicos celtas, na figura do sábio e travesso
Merlin. Numa nota sobre o poema, diz ainda: “É crença popular entre nós
que na noute de san’ João todos os incantamentos se quebram: as mouras
incantadas, que ordinariamente andam em figura de cobras, tomam n’essa
noute sua bella e natural presença, e vão pôr-se ao pé das fontes, ou á borda
A Fada-Moura: do espaço galo-romano ao espaço peninsular
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dos regatos a pentear os seus cabellos de ouro. Os thesouros sumidos no fundo
dos poços véem á tona d’agua, e mil outras maravilhas succedem em tam
milagrosa noute” (Garrett 1826 239).
Na noite de Solstício de Verão, as fadas saem do seu domínio e circulam
livremente. É também essa a ideia que transmite Shakespeare em Midsummer
Night’s Dream, altura do festival celta do fogo que representava o meio do
Verão.
Os dias que marcam as festas solares do calendário celta caracterizam-se,
devido à equidade do tempo solar com o lunar, por uma aproximação dos
mundos. O mundo real e o Outro Mundo ficam ao mesmo nível, podendo
circular-se livremente entre eles. É por isso que seres feéricos passam para
este mundo e seres do mundo real passam para o Outro Mundo. A questão
reside em poder voltar ao mundo de pertença sem se ficar preso noutra lógica
temporal.
(...)
(...)
*
Fonte: https://digitalis-dsp.uc.pt/jspui/bitstream/10316.2/31556/6/15-%20espa%C3%A7os%20e%20paisagens.pdf?ln=pt-pt
Ana Margarida Chora, «A fada-moura: do espaço galo-romano ao espaço peninsular» in Espaços e Paisagens - Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas - VII Congresso Internacional da APEC, Vol. 3 História, Arqueologia e Arte (coord. Francisco de Oliveira et al.), 3 vols., Coimbra, Associação Portuguesa de Estudos Clássicos / Centro de Estudos Clássicos
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Coincidência ou não, o dia 21 de Junho é hoje celebrado como o «Dia Internacional dos Gnomos».
http://www.kgbanswers.co.uk/when-is-it-international-gnome-day/23405227
1 Comments:
E com o fogo do "petróleo verde",que começou nos tempos d cavaco Silva como primeiro-ministro,Portugal vai desaparecendo aos poucos pelo fogo
https://www.youtube.com/watch?v=8PYD3D6UmsQ
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