quarta-feira, junho 21, 2017

SOBRE O SIGNIFICADO FEÉRICO DO SOLSTÍCIO DE VERÃO


As fadas povoam o imaginário das culturas clássica, celta, galo-romana e ibérica, surgindo, com características subtilmente distintas, quer na época a que se referem, quer no contexto folclórico em que estão inseridas. A fada da cultura clássica está mais próxima das versões míticas, assumindo contornos diferentes na passagem para a Idade Média, em que uma outra variante, a celta, hegemoniza os padrões femininos do encantamento e, em contacto com rituais autóctones do domínio romano, mistura-se com as personagens feéricas galo-romanas.
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Niniane é a “Dama do Lago” (lago de Diana, sua madrinha e protectora). É lá que vive num sumptuoso castelo e cria três dos principais heróis do ciclo arturiano (Lancelot, Boors e Lionel). Morgain, fada simultaneamente temida e poderosa da Matéria da Bretanha, é outra dessas figuras ligadas ao elemento aquático, cujos nomes Morg-wen (espuma do mar), Murigena (“nascida do mar”, em gaélico) ou ainda Muirgen (um dos nomes da mulher aquática Liban na mitologia irlandesa) se relacionam com “Merrow”, do gaélico “murúch” ou “muir-gheilt”, as sereias na mitologia irlandesa e escocesa, ou ainda as “morgans”, sereias da Baixa Bretanha, etimologias que parecem remeter para o imaginário não só aquático como semântico das mouras.
A água é local de encontros com fadas. No Lai de Lanval de Marie de France, o herói cavalga junto a um curso de água, onde duas donzelas o conduzem aos aposentos da sua dama, que requer o seu amor. O início do Tristan en prose, do séc. XIII, narra uma peripécia de Sador, um dos doze filhos de Bron, com uma misteriosa dama vinda das águas. Ao cavalgar junto ao mar, Sador encontra uma nave com todos os navegantes mortos, à excepção de uma bela donzela, Chelinde, filha do rei da Babilónia, prometida ao rei da Pérsia, mas que Sador faz baptizar para casar com ela. O episódio encontra alguma semelhança com De Nugis Curialium de Gautier Map (séc. XII). Aqui conta-se a história de Henno “dos dentes grandes”: uma dama, noiva do rei de França, sobrevive a um naufrágio e conhece Henno, a quem conta a sua história, que é semelhante à de Melusina, que se transforma em dragão e desaparece pelo tecto ao contacto com água benta.
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Esta fada-moura encontra eco na figura da moura peninsular, a qual não provém necessariamente da cultura árabe invasora, mas sim do imaginário feérico espacial herdado da cultura galo-romana e celta. Segundo Consiglieri Pedroso, “as mouras encantadas eram divindades ou génios femininos das águas (…). Eram também os génios que guardavam os tesouros escondidos no centro da Terra” (Pedroso 1988 217). A moura, do latim “maura” (moura) ou do celta “mahr” (espírito), é uma variante peninsular dessa fada, sendo as narrativas sobre ela esquemas simbólicos que se repetem.
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Almeida Garrett refere-se às “mouras encantadas” (que penteiam os cabelos nas noites de São João junto às fontes) equiparando-as aos poderes mágicos celtas, na figura do sábio e travesso Merlin. Numa nota sobre o poema, diz ainda: “É crença popular entre nós que na noute de san’ João todos os incantamentos se quebram: as mouras incantadas, que ordinariamente andam em figura de cobras, tomam n’essa noute sua bella e natural presença, e vão pôr-se ao pé das fontes, ou á borda A Fada-Moura: do espaço galo-romano ao espaço peninsular 202 dos regatos a pentear os seus cabellos de ouro. Os thesouros sumidos no fundo dos poços véem á tona d’agua, e mil outras maravilhas succedem em tam milagrosa noute” (Garrett 1826 239).
Na noite de Solstício de Verão, as fadas saem do seu domínio e circulam livremente. É também essa a ideia que transmite Shakespeare em Midsummer Night’s Dream, altura do festival celta do fogo que representava o meio do Verão. Os dias que marcam as festas solares do calendário celta caracterizam-se, devido à equidade do tempo solar com o lunar, por uma aproximação dos mundos. O mundo real e o Outro Mundo ficam ao mesmo nível, podendo circular-se livremente entre eles. É por isso que seres feéricos passam para este mundo e seres do mundo real passam para o Outro Mundo. A questão reside em poder voltar ao mundo de pertença sem se ficar preso noutra lógica temporal. 
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Fonte: https://digitalis-dsp.uc.pt/jspui/bitstream/10316.2/31556/6/15-%20espa%C3%A7os%20e%20paisagens.pdf?ln=pt-pt
Ana Margarida Chora, «A fada-moura: do espaço galo-romano ao espaço peninsular» in Espaços e Paisagens - Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas - VII Congresso Internacional da APEC, Vol. 3 História, Arqueologia e Arte (coord. Francisco de Oliveira et al.), 3 vols., Coimbra, Associação Portuguesa de Estudos Clássicos / Centro de Estudos Clássicos

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Coincidência ou não, o dia 21 de Junho é hoje celebrado como o «Dia Internacional dos Gnomos».
http://www.kgbanswers.co.uk/when-is-it-international-gnome-day/23405227

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E com o fogo do "petróleo verde",que começou nos tempos d cavaco Silva como primeiro-ministro,Portugal vai desaparecendo aos poucos pelo fogo


https://www.youtube.com/watch?v=8PYD3D6UmsQ

21 de junho de 2017 às 13:55:00 WEST  

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