segunda-feira, junho 19, 2017

«PERSPECTIVA NEO-LIBERAL DE MENOS ESTADO PARA MELHOR ESTADO» NA ORIGEM DA AUSÊNCIA DE SERVIÇOS FLORESTAIS EM PORTUGAL

Nos momentos em que escrevo estas linhas está a desenrolar-se uma das maiores tragédias florestais em Portugal, senão mesmo a maior. E estas notas não terão a ver directamente com o caos dos incêndios que nesta altura atacam o centro do nosso país mas têm indirectamente. E a resposta está no telefonema que me foi feito, a meio da manhã, pelo Prof. Jorge Paiva da Universidade de Coimbra, que me dizia desesperado: “Estás a ver no que dá terem acabado com os Serviços Florestais?”
Numa primeira abordagem, esta tragédia de hoje deveu-se a um conjunto de situações atmosféricas que seriam imprevisíveis, e sobretudo porque, ao acontecerem perto da noite, inviabilizaram a intervenção dos meios aéreos de combate aos incêndios.
Mas alguém garante que na grande extensão e propagação do fogo não estavam como causa também as más condições de limpeza das matas? Alguém garante que não foi o barril de pólvora que está contido nas falta de limpeza do sub-bosque das matas? O Comandante Jaime Soares em poucas palavras, numa entrevista a Victor Gonçalves da RTP, disse o que muitos de nós andamos a dizer há décadas: a montante destas tragédias está a falta de uma politica florestal correcta, de ordenamento, limpeza e vigilância das matas.
Chamemos as coisas pelos seus nomes: foi num Governo PS que foi extinto o Corpo de Guardas Florestais que existia nos Serviços Florestais e os seus efectivos foram integrados na GNR. Erro crasso, naquela perspectiva neo-liberal de “menos Estado para melhor Estado”.
Está-se mesmo a ver, não está ?
Os guardas florestais não eram polícias, eram actores fundamentais da vigilância das matas, integrados numa cadeia de comando especializada que ia dos velhos Mestres Florestais aos Administradores Florestais e ate aos Chefes de Circunscrição. Eles não têm que ser comandados por sargentos ou tenentes, têm de ser comandados por quem sabe dos problemas das florestas.
Depois desta asneira socialista, o Governo PSD/CDS pela mão do sábio e secretário de Estado do queijo limiano, e perante a apatia da ministra do CDS e dos sociais-democratas (que tinham obrigação, pelo seu historial , de serem mais competentes em matéria ambiental) acabou de vez com os serviços florestais e integrou-os no Instituto da Conservação da Natureza. Cereja em cima do bolo da asneira!!
É preciso ter bom senso e acabar de vez com esta situação anómala de sermos talvez o único país do mundo com tanta área florestal e não termos Serviços Florestais nem um Corpo de Guardas Florestais.
Perdeu-se a grande sabedoria do velhos Mestres Florestais, senhores das serras e das matas que eles conheciam como as suas próprias mãos; mas ainda há na GNR umas centenas de antigos guardas florestais que podem ser o embrião de um novo corpo especializado.
Tenham vergonha de dar a mão a palmatória e façam aquilo que desfizeram, reponham os Serviços Florestais no Ministério da Agricultura e Florestas (chamem-lhe Instituto, chamem-lhe o que quiserem), com a dignidade que eles nunca deviam ter perdido, reponham a funcionar a quadrícula de casas e postos florestais que são quem pode assegurar a vigilância permanente das serras do País, dêem a esses postos as novas tecnologias e os novos meios de comunicação e dêem de novo aos guardas florestais a capacidade legal de continuarem a vigiar as matas, de obrigarem os proprietários a limpar e a ordenar as matas.
Também acabaram com os guarda-rios e nunca mais as margens e leitos da maior parte das ribeiras foram limpas, como eram quando esses agentes obrigavam os proprietários marginais das linhas de água a limparem as margens dos seus terrenos.
A terrível tragédia que nos aflige, que ao menos sirva de aviso para o que pode acontecer este Verão, com tanta área de pastos secos debaixo de temperaturas cada vez mais quentes, (...)
Ex-Administrador Florestal, fundador e 1º Presidente do SNPRPP
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Fonte: https://www.publico.pt/2017/06/18/sociedade/noticia/estas-a-ver-no-que-da-terem-acabado-com-os-servicos-florestais-1776086


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Mais uma vez, a «lógica» da limitação do Estado - que é a de quem gosta de favorecer a tubaronagem privada - a conduzir o país a uma situação terceiro-mundista.