SOBRE O ENTRUDO
Carnaval, celebração de raiz porventura arcaica, essencialmente semelhante à Saturnália, mas com traços de outras festividades pagãs, nomeadamente da Lupercália, aqui descrita várias vezes, ao longo dos anos, e da Bacanália, na qual, ao mesmo tempo em que o líquido de Baco descia as gargantas e subia às cabeças, se podia embarcar em toda a sorte de deboches.
O Carnaval é efectivamente um tempo de pura descontracção, em que se pode fazer, dizer e até ser» virtualmente tudo «o que se quiser» - mas com os limites que a sociedade actual impõe, relativizando sempre o sentido do total que algumas festas poderiam ter originalmente, pois que, numa época em que são continuamente necessários os polícias, médicos, enfermeiros, etc., não se pode esperar que todos estejam ao mesmo tempo envolvidos numa dada celebração, como bem notou Roger Caillois em «O Homem e o Sagrado».
No antigo calendário romano, Fevereiro era o último mês do ano, época de contacto com os mortos, de purificação da cidade - é daí que vem o nome Fevereiro, de Februus, Deus Subterrâneo dos Mortos e das Riquezas - tendo assim um ambiente similar ao do Halloween céltico (Samhain, na língua irlandesa), o qual é, para os Celtas, a passagem de um ano para outro. E também entre as gentes célticas se usavam máscaras nessa ocasião festiva. E, na actualidade, é assim que a população norte-americana vive o Halloween - como uma espécie de Carnaval anglo-saxónico, baile de máscaras caracterizado por um só tema, o do fantástico de terror (bruxas, vampiros, demónios, fantasmas, etc.). O Halloween norte-americano, celebração de terra predominantemente fria (ou europeizada?...) acaba por isso por mostrar mais semelhança com os Carnavais europeus do que o Carnaval brasileiro, como a seguir se verá.
No antigo calendário romano, Fevereiro era o último mês do ano, época de contacto com os mortos, de purificação da cidade - é daí que vem o nome Fevereiro, de Februus, Deus Subterrâneo dos Mortos e das Riquezas - tendo assim um ambiente similar ao do Halloween céltico (Samhain, na língua irlandesa), o qual é, para os Celtas, a passagem de um ano para outro. E também entre as gentes célticas se usavam máscaras nessa ocasião festiva. E, na actualidade, é assim que a população norte-americana vive o Halloween - como uma espécie de Carnaval anglo-saxónico, baile de máscaras caracterizado por um só tema, o do fantástico de terror (bruxas, vampiros, demónios, fantasmas, etc.). O Halloween norte-americano, celebração de terra predominantemente fria (ou europeizada?...) acaba por isso por mostrar mais semelhança com os Carnavais europeus do que o Carnaval brasileiro, como a seguir se verá.
No extremo ocidente europeu, entretanto, o Entrudo encontra-se actualmente muito influenciado pela cultura das terras de Vera Cruz, o que contribui para um empobrecimento da tradição carnavalesca nacional: um povo sem orgulho, acabrunhado, deixa-se colonizar também nisto, especialmente quando a ideia de que a versão carioca de tal festividade «é que é o Carnaval por excelência» parece estabelecida como um facto indiscutível, e «toda a gente» a considera melhor que todas as outras. E tal colonização, verdadeiramente kitsch porque feita com base na diluição da identidade cultural nacional e imposição de um modelo desenraizado e desenraizador, simplificado e grosseiro, mas visualmente impressionante, passa por cima até do mais prosaico bom senso - chega a infrigir as mais elementares regras da sensatez no que ao clima diz respeito. Cá, ainda é Inverno e, por conseguinte, a tradição de cá não consistia em mostrar o corpinho todo, tantas vezes invernalmente anafado, trajado com roupas que deixam as pobres moçoilas semi-nuas a gramar um frio ventoso pelas carnes adentro.
Parece-me a propósito disto pertinente observar a distinção radical entre o Carnaval brasileiro e os Carnavais europeus - por mais diferenças que se verifiquem entre estes últimos, há algo que os caracteriza em comum por oposição ao do Rio de Janeiro: trata-se, quanto a mim, da valorização do não manifesto, do oculto, do acto de esconder.
A festividade carnavalesca brasileira é típica do Verão - com efeito, realiza-se numa altura em que o hemisfério sul vive o pico da estação quente. Por conseguinte, a celebração pauta-se pela abertura, pela exuberância da extroversão absoluta.
As festividades carnavalescas europeias, pelo contrário, são festas típicas do Inverno - têm lugar numa época do ano em que o hemisfério norte vive ainda na estação fria. Em assim sendo, tais celebrações caracterizam-se pela ocultação, pela exuberância duma introversão virada do avesso, ou seja, exibida perante os olhos de todos - e é isso a máscara.
Não deixa entretanto de ser curioso o seguinte - tornou-se lugar-comum a noção de que os Brasileiros, e demais latino-americanos, são especialmente extrovertidos (traço eventualmente africano, também presente nos EUA, embora talvez menos), ao passo que a Europa tende para a introversão - e quanto mais geograficamente afastados de África, mais introvertidos são os Europeus, com a estranha excepção do caso português, que, situando-se territorialmente no sul do continente, pauta-se todavia por uma marcada introversão, visível desde logo na sua pronúncia, que se assemelha genericamente à do gélido leste europeu.
Ora o Carnaval é, por excelência, a festa da quebra das regras, da excepção - faz-se nesta altura o que não se pode fazer durante o resto do ano.
Não obstante, os Brasileiros têm nesta época, não um momento de excepção, mas sim de intensificação do que já são no resto do ano; quanto aos Europeus, dão-se ao festejo desbragado, não raras vezes debochado, mas a coberto de máscaras. Em suma: se «o Natal é quando um homem quiser», o Carnaval é só mesmo uma vez por ano...
Introversão e cultura europeia versus extroversão sul-americana: enquanto no Rio de Janeiro anda tudo ao léu, como na praia, em Veneza, por exemplo, vive-se um momento feérico, gerado pelo encontro da bizarria das refinadas máscaras (cujo potencial erótico foi particularmente explorado em «Eyes Wide Shut», ou «Olhos Bem Fechados», de Stanley Kubrick) com o nevoeiro, que, segundo parece, é na cidade dos Vénetos frequente.
Introversão e cultura europeia versus extroversão sul-americana: enquanto no Rio de Janeiro anda tudo ao léu, como na praia, em Veneza, por exemplo, vive-se um momento feérico, gerado pelo encontro da bizarria das refinadas máscaras (cujo potencial erótico foi particularmente explorado em «Eyes Wide Shut», ou «Olhos Bem Fechados», de Stanley Kubrick) com o nevoeiro, que, segundo parece, é na cidade dos Vénetos frequente.
Bom seria, digo eu, que o carnaval português, se tivesse mesmo de receber influência estrangeira, que ao menos, em vez da brasileira, recebesse da veneziana. É que Lisboa até tem a sua névoa e o seu ar melancólico, sóbrio, triste segundo alguns, mas que, visto de outro modo, pode esconder mistérios e riquezas insuspeitadas. Tal atmosfera não tem muito a ver com roupagens verde-e-amarelo e com desfiles à maneira rio-de-janeirista, mas combina perfeitamente com o cenário construído pela máscara veneziana. Todavia, e voltando à referência do Halloween norte-americano, não é de todo impossível que esta, a da «noite das bruxas» ianque, possa servir de contraponto à influência brasuca... fazendo com que em Portugal se retorne um pouco ao que se fazia nos saudosos anos setenta e princípios dos anos oitenta, antes da maciça influência brasileira, quando as pessoas mascaravam-se a rigor (e tinham ainda menos dinheiro do que têm hoje), encarnando certas e determinadas personagens da realidade ou da fantasia; e eram incontáveis os que, mesmo não usando uniformes, acabavam todavia por ajustar a sua caraça de modo a bem esconder as respectivas ventas. Assim é que era o carnaval português... europeu.
1 Comments:
REALMENTE SÓ UMA RAÇA SOFISTICADA MENTALMENTE PELA EVOLUÇÃO DO DNA NO GLACIAR PODERIA GERAR COISAS COMO ESTA; É UM SENTIDO DE ESTETICA SUPERIOR A QUALQUER COISA QUE EXISTE NESSE URANECO LIMITADO DE BOSTA
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