SOBRE A ALEGADA SUPERIORIDADE DA GESTÃO PRIVADA
O
enorme estoiro do Grupo Espírito Santo (que não do banco,
espera-se) vem demonstrar que a superioridade alardeada da gestão
privada é mais um daqueles fenómenos vagamente mitológicos em que
a sociedade portuguesa é pródiga.
O GES
colapsou (com sinais premonitórios dados no longínquo ano de 2002,
quando uma inspecção levou à brusca substituição da empresa
responsável pela auditoria) depois de um longo período em que nada
do que lá dentro se passava era claro. Agora este grupo pode
arrastar com ele muitos empresários que para obterem créditos
bancários se viram simultaneamente persuadidos a comprar papel
comercial do grupo. Uma persuasão musculada, que não se pode
confundir com a possível promiscuidade que causou danos substanciais
a uma PT agora privada, embora funcione simbolicamente como uma
espécie de companhia de bandeira.
Para
além do Espírito Santo, na memória da economia portuguesa há
outras histórias sinistras recentes de quedas, que mesmo assim estão
distantes das circunstâncias do Angola e Metrópole.
O BPN,
o BPP, o BANIF ou o Grupo José de Mello são, porém, exemplos
evidentes de fracassos, enquanto muitos dos supostos sucessos mais
não são do que empresas que vivem encostadas ao Estado, como as PPP
rodoviárias, começando na da Ponte Vasco da Gama, que já pagámos
mais de dez vezes desde 1998, passando pelos petróleos, pela REN,
pela ANA ou, menos mal porque vai tendo concorrência, pela EDP. A
lista poderia estender-se ao privadérrimo sector farmacêutico, cuja
receita fundamental vem naturalmente das comparticipações da saúde
pública.
Verdadeiramente
privados e com dimensão relevante sobram alguns bancos com capitais
estrangeiros e meia dúzia de empresas industriais exportadoras que
contaram com incentivos fiscais para se instalar. Há ainda e
sobretudo os grupos de distribuição, nacionais ou estrangeiros, mas
sediados fora de portas para pagar menos impostos, que prosperam na
venda da paparoca e das utilidades do quotidiano. Aí sim,
encontramos a iniciativa privada no seu esplendor e com uma gestão
criteriosa da tesouraria, utilizando a liquidez do dia de caixa para
fazer aplicações. Há quem questione a nobreza dessa dupla
actividade, mas a verdade é que é dela que emergem os mais
bem-sucedidos e muitos postos de trabalho mesmo que precários.
Como
contra factos não há argumentos, a realidade manda dizer que entre
nós praticamente tudo o que tem êxito se sustenta no Estado como
cliente ou como concedente da actividade.
Mesmo
negócios que aparentemente não têm a ver com o Estado, estão
depois na mão de empresas que por sua vez são devedoras de bancos
que precisam do Estado. Cria-se assim uma teia infernal de
dependências. Ora isso dá razão a quem afirma que no mundo
empresarial interessa muito mais saber a quem se deve do que conhecer
os detentores do capital.
E é
assim que assistimos a uma repetição de muito do que aconteceu em
1974/75. Quando foi nacionalizada a banca, o Estado ficou por tabela
dono de quase toda a economia que devia dinheiro às instituições
de crédito. Por isso lhe foram parar às mãos jornais, indústrias,
restaurantes e até a florista da empresa que fazia as vezes do que
veio a ser a Rodoviária Nacional. É de apostar singelo contra
dobrado que, se a situação se repetisse hoje, não seria muito
diferente. É pena, porque o mais difícil é reformar mentalidades.
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Fonte: http://www.ionline.pt/iopiniao/mito-da-gestao-privada/pag/-1
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