quarta-feira, novembro 02, 2011

SOBRE A PROCISSÃO DOS DEFUNTOS, ELEMENTO DO FOLCLORE NACIONAL


E porque o dia dois do corrente é Dia dos Mortos, aqui vai um tesouro da mais profunda e eventualmente arcaizante tradição popular portuguesa:

Procissão dos defuntos

Em Ponte de Lima, há «procissão de defuntos». Nestas procissões vai sempre «um vivo», que é a pessoa que primeiro tem de ser sentenciada à morte. O espectador da procissão tem de voltar-lhe as costas, quando ela passar diante dele.
Uma rapariga que tinha de ir regar um campo muito cedo, passou por diante da Igreja e vendo que se estava à missa, deu parabéns à sua fortuna e entrou, indo ajoelhar entre as outras mulheres. Estas começaram a olhar umas para as outras e a rosnar «aqui cheira a fôlego vivo»! Uma das mulheres levantou-se, aproximou-se da rapariga e disse-lhe: «O que te valeu foi vires ajoelhar na campa de tua madrinha, que sou eu. Vai-te e não olhes para trás!» A rapariga saiu, mas não resistiu à curiosidade e olhou para trás. Viu muitas fogueiras a arder. Eram as almas das pessoas, porque se não tinham dito missas (Guimarães)
Uma mulher indo de noite para certo sítio encontrou uma procissão de defuntos que vinha na sua direcção. Escondeu-se logo na croca (oco) de um carvalho. A procissão passou por diante dela e a mulher viu no préstito um filho seu que morrera anjinho, e que ia «com a tocha apagada». E o filho passando por diante da mãe, disse: «Arreda-te, carvalho croquento, que por causa das tuas lágrimas é que eu vou com a luz apagada.» (Louredo).
As almas dos mortos andam pela rua à meia-noite em procissão com luzes acesas. Se alguém por desgraça vai ter com aquela procissão e lhe pede lume, morre infalivelmente. (Lavadores - São Cristóvão de Mafamude).
O abade de Mondanedo de Lugo estava uma vez sentado à beira de uma igreja e viu vir uma procissão de defuntos, todos vestidos de branco, com um esquife diante de si e alumiando com os ossos acesos (sic). (Lugo - Galiza).
Uma pessoa antes de morrer já se vê sete anos antes na «procissão dos defuntos». A procissão dos defuntos faz-se todos os dias às trindades; ninguém a vê senão as pessoas que têm uma palavra de menos no baptismo (sic). E estas são as que sabem as pessoas que hão-de morrer, porque as vêem na procissão. Por isso se diz, quando uma pessoa anda doente: «ah! Fulana (a tal que tem de menos a palavra no baptismo [?]) já há muito tempo que a vi na procissão dos defuntos. (Valença).
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O Sr. Leite de Vasconcelos no seu recente e interessante livro nada nos diz sobre tal assunto (vide Tradições Populares de Portugal, pág. 301-3) e o Sr. Adolfo Coelho apenas muito vagamente se refere às procissões de defuntos, não mencionando lenda alguma a tal respeito (vide Revista de Etnologia e de Glotologia, fasc. IV, pág. 163). Para estas procissões, veja-se Afaniev: ob. cit., III, 244 e seg.; e sobretudo Grimm: Deutsche Mythologie, II, 765 e seg.. A «procissão dos defuntos» é uma variante da lenda do Wütendes Heer, o Feralis Exercitus de Tácito, a Arma Coelestia de Plínio. É esta a variante cuja acção se passa na Terra; enquanto noutras versões é no céu ou nas nuvens que tem lugar. Desta segunda variedade importantíssima temos também uma lenda portuguesa moderna e várias superstições que a ela se referem. A superstição é antiga na Península, onde o Wütendes Heer tinha o nome de Exercitum Antiquum (Exército Antigo). Cf. Grimm: Deutsche Mythologie, II, 785. Cf. ainda Afanasiev: ob. cit., I, 725.

In Contribuições Para Uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, de Consiglieri Pedroso, págs. 281-3, Publicações Dom Quixote.

Segundo este site, o equivalente galego da Procissão de Defuntos é a Santa Compaña. Para ler mais, ir a esta página.

7 Comments:

Blogger Carlos Gomes said...

Gostei imenso deste artigo. Aliás, comecei a seguir o blogue Gladius. Tomei a liberdade de publicar o artigo no BLOGUE DO MINHO com a devida citação da fonte de onde foi tirado. Espero que não levem a mal!
Muito obrigado!

2 de novembro de 2011 às 09:26:00 WET  
Blogger Caturo said...

Claro que não levo a mal, pelo contrário. Até porque, como se lê no tópico, o artigo é de Consiglieri Pedroso, não é meu... ;)

Saudações.

2 de novembro de 2011 às 14:41:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

"Eram as almas das pessoas, porque se não tinham dito missas (Guimarães)"


Não percebo esta frase, caro Caturo, podia-me a explicar?

3 de novembro de 2011 às 11:47:00 WET  
Blogger Caturo said...

«A rapariga saiu, mas não resistiu à curiosidade e olhou para trás. Viu muitas fogueiras a arder.»

As almas das pessoas eram as fogueiras a arder - ardiam porque ainda não se tinham dito missas por elas. Na crença católica popular, é necessário dizer missas pelas almas dos mortos, para bem destas...

3 de novembro de 2011 às 16:04:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado pela explicação, caro Caturo.

3 de novembro de 2011 às 16:40:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

Caturo esta procissão dos defuntos também teria a ver com a procissão dos afogados do Ródano, no dia de São Medard?

Estaria eu certo em supor que se trata de uma tradição dos celtas?

5 de novembro de 2011 às 23:23:00 WET  
Blogger Caturo said...

«Caturo esta procissão dos defuntos também teria a ver com a procissão dos afogados do Ródano, no dia de São Medard? Estaria eu certo em supor que se trata de uma tradição dos celtas?»

Creio que é precisamente disso que se trata.

9 de novembro de 2011 às 02:49:00 WET  

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