«LUTAS DOS DEUSES - THOR»

Especiais agradecimentos ao anónimo que aqui veio noticiar que o canal de História da TVCabo está neste momento a transmitir uma boa série intitulada «Lutas dos Deuses», em que cada episódio se centra num determinado tema de guerra mitológica, quase sempre para descrever a natureza e os feitos de alguns dos principais Deuses combatentes da Antiguidade europeia, nomeadamente das mitologias germânica e grega. E não apenas os feitos mitológicos, mas também os seus possíveis simbolismos e significados históricos. Faltavam aí os Deuses bálticos, os eslavos, os celtas, os romanos, mas enfim, nada é perfeito...

Descobri entretanto que muitos destes episódios, talvez mesmo todos, podem ser vistos no YouTube, em Inglês e em Brasileiro. Aquele que, por aviso do anónimo, pude ver, avidamente, anteontem, foi o de Thor, Deus germânico do Trovão, episódio este cuja parte mais interessante é, a meu ver, esta, por referir, com interessantes pormenores, o significado político-espiritual que o Seu culto adquiriu no fim da Idade Viquingue, quando os últimos pagãos nórdicos se centravam na Sua figura divina para enfrentarem as hostes cristãs, que tudo fizeram, de armas na mão e intriga na língua, para destruir o Paganismo.

Encontro-lhe um defeito, que é o de, ao fazerem comparativismo mitológico com outros Deuses, de outros panteões, equivalentes a Thor na Sua gesta contra  o monstro reptilínio, referirem apenas a possibilidade de terem existido de facto descomunais monstros marinhos que punham em perigo a navegação, esquecendo a óbvia referência à comum raiz étnica dos Deuses que citaram - os Indo-Europeus.

O facto de  fora do mundo indo-europeu existirem mitos de lutas entre Deuses e gigantescas serpentes não impede que o mito em si seja de origem indo-europeia, e seguramente não impede que a diseminação do mito se tenha feito por via das migrações indo-europeias, que é isto o que mais interessa.

Thor, e os Seus equivalentes mencionados no episódio, a saber, Zeus e Indra, inscrevem-se num contexto indo-europeu, constituindo, aliás, diferentes versões do arquétipo do Deus do Trovão e da Guerra: um ferrabrás de invencível força física, grande apetite e sobretudo grande tendência para a bebida, rude mas bom, mas nem por isso menos sanguinário, algo ingénuo quando não simplório, que extermina os inimigos dos Deuses e dos homens e comanda o Raio. O vermelho costuma estar-Lhe associado. De facto, a grande luta religiosa na Idade Média nórdica foi entre o chamado Thor Vermelho e o Cristo Branco (Vitcrist). No sul europeu, a cor de Júpiter é o vermelho. Outras versões deste Deus são o balta Perkunas (teria sido adorado também pelos Celtiberos?) e o eslavo Perun. Entre os Celtas, Taranis teria a mesma função e personalidade (consta que os Gauleses lLhe chamavam «hebetos», ou «fácil de enganar»).

Em boa verdade, Zeus não se enquadra exactamente neste arquétipo, a ingenuidade está longe Dele, e é mais um Pai Celestial do que um Combatente, embora não se possa explicar a Sua natureza sem a referência ao bélico. Isto talvez porque no Sul europeu o Pai Celestial absorveu o Guerreiro Tonante, ou porque os Indo-Europeus que se fixaram no sul da Europa tenham preservado uma concepção mais arcaica em que o Pai Celestial era também o Guerreiro Tonante. Todavia, este arquétipo do invencível, impulsivo e ingénuo guerreiro, munido de uma arma curta e esmagadora, aparece ou reaparece mais tarde em Herakles, ou Hércules, herói que é semi-deus, e que, curiosamente, viria a ser um dos Deuses mais adorados no final do Império Romano, quando as legiões romanas estavam já cheias de soldados, e até de comandantes, oriundos da Germânia, já romanizados, mas ainda assim inequivocamente germânicos... Não terá sido também por acaso que o historador Tácito escreveu, na sua obra «A Germânia», que os Germanos adoravam sobretudo «Marte», Mercúrio» e «Hércules», e ponho os nomes entre parêntesis porque muito provavelmente trata-se aqui de uma «interpretatio romana», ou seja, um romano a aplicar nomes romanos a Deuses bárbaros para que o seu público leitor, romano, entendesse a natureza das Divindades mencionadas. Estes três Deuses seriam, respectivamente, Tiuz, Wotan e Thonar, que o mesmo é dizer, escandinavicamente, Tyr, Odin e Thor.  De qualquer modo, os Germanos deram o nome de Thor à quinta-feira, o dia de Júpiter (Dies Iovis, em Latim, Xoves, em Galego, Jueves, em Castelhano, Giovedi, em Italiano), o que mostra que as equivalências entre os Deuses não são exactas mas quase sempre multifacetadas.