ROBIN DO CAPUZ... NÃO ENFIA O CAPUZ AO ESPECTADOR

«Robin Hood», de Ridley Scott, filme que estreou há umas semanas em Portugal, pode perfeitamente ser visto sem que uma golfada de vómito passe pelos dentes do espectador. Tem uma passagem dimiesca, é certo, mas fica-se pelo lugar-comum, não a explora, servindo a dita passagem apenas para reforçar a descrença nas aristocracias reinantes. Merece contudo ser denunciada como manipulação e sublinhado, ainda que ligeiro, do complexo de culpa ocidental. Refere-se, em concreto, ao massacre de Acre, em que as tropas cruzadas teriam chacinado muçulmanos em larga escala. Da maneira que aparece na boca do herói, ainda por cima com o requinte de desprezo que se acrescenta por ter havido uma idosa, segundo Robin, que olhou os Ocidentais com pena por estes estarem prestes a «ficar sem Deus» (devido ao crime da matança), da maneira que isto aparece, dizia, deixa no ar a velha ideia de que as matanças durante as Cruzadas foram obra dos Cruzados e prontos, já 'tá. A verdade é que as matanças eram cometidas por ambos os lados - com a agravante de terem sido os muçulmanos a atacar, visto que a terra pertencia a cristãos antes de, pela força, cair nas mãos dos homens de Mafoma.

Enfim, podia ser pior, o quinhão de dimitude do filme, especialmente vindo de quem vem, Ridley Scott, que foi muito mais pró-islâmico, sem pingo de vergonha nas ventas, numa outra película que em má hora obrou, «Reino dos Céus», que foi aqui comentada.

Já agora, lembro, como fez certo comentador do site «Gates of Vienna», que já um outro filme dedicado a Robin Hood, mas feito nos anos oitenta e tendo Kevin Costner como protagonista, foi muito mais a fundo na dimitude - mais a fundo porque mais subtilmente. Alguns terão ainda na memória que esse «Robin», interpretado por Costner, tinha trazido a Inglaterra um amigo «mouro» (um afro-americano a fazer de mouro) que era mais sábio e mais prudente e mais inteligente e mais culto, enfim, mais tudo quanto fosse bom, do que as outras personagens todas de todas as cenas...
Comparado com esse, este, de Scott, até está muito comedido, com a estupenda vantagem de não ter ao longo da película um único não branco. Além de que desta vez não se apanha com um único sotaque ianque (eu pelo menos não notei nenhum).

Merecem apreciação as cenas de acção, o realismo dos diálogos, a imagem que a câmara mostra do rei francês, o poderoso guarda-roupa e, brilhando tanto quanto lhe foi permitido pela natureza da narrativa, a beleza de Cate Blanchett, que é das mais atraentes actrizes do cinema contemporâneo.

Veja-se pois, cum granu salis.