terça-feira, dezembro 16, 2008

«O DIA EM QUE A TERRA PAROU»

Fui ver o filme intitulado «O dia em que a Terra parou». Suspense bem construído, bons efeitos especiais, actores escapatórios, argumento aceitável, sequência de peripécias que prende a atenção, tudo isto ao serviço de mensagem fraquinha e baratucha, moralismo da treta, americanada típica.
Basicamente é isto: a humanidade é violenta e porta-se mal, o Homem é malandro e trata miseravelmente o seu semelhante e o seu belo planeta, vai daí uma civilização extraterrestre avançadíssima e de vastíssima superioridade moral (os Americanos e a superioridade moral...) manda cá um emissário para dar cabo da humanidade toda, porque a Terra é demasiado preciosa para estar nas mãos da selvajaria do bicho-homem. Trata-se pois de uma historieta do nível que se vê, e que, ao fim ao cabo, tem na intenção com que foi criada uma ironia grosseira: possível ou provavelmente, o seu autor nem se deu conta de que os seus sofisticadíssimos e imensamente superiores extra-terrestres estavam no fundo a fazer o que a maioria dos humanos faz, que é aniquilar o que parece perigoso. Que a compreensão do que é realmente perigoso possa não ser sempre a melhor, isso é outra história. Mas, moralmente falando, não há aqui qualquer superioridade da parte dos pretensamente superiores étês.
À parte o primarismo do tema, não deixa de ser curiosa a semelhança do(s) extraterrestre(s) deste conto com a figura do Deus judaico-cristão como este tem sido concebido no Ocidente - o imenso e silencioso Ser que do alto observa, impassível, a agitação humana, e que a qualquer momento extermina o que lhe apetece. Mas esse descomunal e altivo poder, distante e incomunicável, tem um «associado», ou um «filho», à escala humana, que vem avisar a humanidade de que ou segue o código moral «correcto», ou então vai para o inferno... e depois o «filho», depois de o Homem mostrar amor, intercede junto do «pai» e a humanidade salva-se...
Lembro-me de ter lido, algures, que o género de ficção científica e sobretudo a crença em ovnis era mais forte nos países mais materialistas, a saber, na época, os EUA e a União Soviética - mas como esta gente continuava a ser um produto do passado europeu, e tradicional em geral, eis que as mesmas estruturas mentais continuavam presentes, mas projectadas «para o espaço». Claro que nesta altura é discutível o dizer-se que a América é mais materialista do que a Europa, pois que a população norte-americana afigura-se notoriamente mais religiosa do que a europeia, mas não deixa de tratar-se aqui de um exercício mental com algum interesse.

Tem também uma certa piada constatar, ou pelo menos observar, a «suspeita» similitude que há entre o grande «robot» extraterreste do filme e Galactus, uma bizarra e interessante personagem da banda desenhada de super-heróis da famosa editora Marvel.
No filme, há pelo menos duas figuras alienígenas, a saber, o de dimensão humana, de nome Klaatu, que pretende dialogar com a humanidade, mas que já vem pré-disposto a aniquilá-la, e o «seu» robot, Gort (God?), ciclópica máquina de guerra de forma antropomorfa.
Ora, trocando os nomes, não custa muito, observa-se que «Klaatu» é parecido com «Galactus»; e, tal como o robot desta história, Galactus vem à Terra numa descomunal nave espacial de forma esférica, aterra em Nova Iorque, e ali fica, de pé, impassível, de uma imobilidade que faz pressentir a ameaça, e mais perigoso ainda do que aparenta; tal como o robot, Galactus vem com um «comparsa» de forma e dimensão humana que a dada altura - Surfista Prateado - se arrepende do seu intuito destrutivo por constatar que os humanos afinal quando querem até são uns queridos e vai daí trava o processo de aniquilação da Terra e volta para o espaço.
De notar contudo que as sagas da Marvel, e de super-heróis em geral, eram feitas para um público sobretudo juvenil (mas cada vez menos, ao que parece), ao passo que a história do filme é um clássico da ficção científica para adultos, cuja primeira versão cinematográfica data dos anos cinquenta - ainda assim, a «variante» da Marvel acaba por ser mais adulta, pois que, ao contrário de Klaatu, Galactus não é nenhum paizinho severo que vem dos céus para nos castigar, mas sim um «estranja» que, digamos, «anda ao seu», pois que vem para a Terra, não para moralizar, mas simplesmente para se alimentar (absorver a energia vital do planeta)...



7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Trata-se pois de uma historieta do nível que se vê, e que, ao fim ao cabo, tem na intenção com que foi criada uma ironia grosseira: possível ou provavelmente, o seu autor nem se deu conta de que os seus sofisticadíssimos e imensamente superiores extra-terrestres estavam no fundo a fazer o que a maioria dos humanos faz, que é aniquilar o que parece perigoso. Que a compreensão do que é realmente perigoso possa não ser sempre a melhor, isso é outra história. Mas, moralmente falando, não há aqui qualquer superioridade da parte dos pretensamente superiores étês."

muito bem visto.
quase todos atribuem muita humanidade aos extra terrestres, sem se darem conta.

16 de dezembro de 2008 às 15:45:00 WET  
Blogger Silvério said...

A ficção cientifica podia ser bem melhor, mas como ultimamente é escassa também devo acabar por ir ver um dia destes. Provavelmente vai sair outra coisa tipo guerra dos mundos.

16 de dezembro de 2008 às 23:48:00 WET  
Blogger Matos said...

saquei esta semana, foi o "The Day The Earth Stood Still" de 1951 , mas ainda não vi, pode ser que seja melhor que a versão moderna, não contando com o efeitos especias claro ...

17 de dezembro de 2008 às 14:04:00 WET  
Blogger Caturo said...

Parece-me que a guerra dos mundos é melhor, caro Silvério...

18 de dezembro de 2008 às 00:55:00 WET  
Blogger Caturo said...

Matos, os filmes americanos de há cinquenta anos e assim, conquanto não tinham evidentemente os efeitos especiais dos da actualidade, eram, genericamente, menos «tineiges» dos que os de hoje, e com argumentos mais bem elaborados também. Lembrar por exemplo a diferença notória entre a excelente «Quinta Dimensão» (Twilight Zone) original, dos anos cinquenta ou sessenta, por um lado, e, por outro, as versões mais actuais, dos anos oitenta e noventa.

18 de dezembro de 2008 às 00:59:00 WET  
Blogger Matos said...

nem tudo são más noticias :

“Delgo” conta a história do romance proibido entre Delgo (Freddie Prinze Jr.), membro da raça bípede Lokni, e a princesa Kyla (Jennifer Love Hewitt), da raça alada Nohrin, que invadiu o planeta de Jahmora.

conseguiu bater um recorde negativo na sua estréia nos EUA: foi o filme com pior desempenho em estréias feitas em mais de 2.000 salas.

http://g1.globo.com/

;)

18 de dezembro de 2008 às 01:31:00 WET  
Blogger Matos said...

An American Carol

Paródia do clássico “Um Conto de Natal”, escrito por Charles Dickens, aqui mostrando um cineasta anti-americano (em referência explícita ao diretor Michael Moore) que deseja abolir do calendário o feriado de 4 de julho, o dia da independência americana. Mas eis que ele recebe a visita de três espíritos que tentarão fazer com que o homem mude sua percepção negativa sobre seu país.

http://cyberpunk-cybersystem.blogspot.com/

26 de dezembro de 2008 às 02:00:00 WET  

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