BLOT-SVEN, UMA HISTÓRIA DE VERDADEIRA RESISTÊNCIA EUROPEIA
No dealbar do século IX, o rei da Suécia, Inge I convertera-se já ao Cristianismo e, ao contrário do seu pai, não permitia ao Povo que realizasse os seus antigos rituais pagãos.
O pai, rei Stenkil, colaborara com os missionários para cristianizar o País; mas quando os mesmos quiseram destruir o santuário pagão de Uppsala, Stenkil travou-os, receando uma revolta popular.
O seu filho, Inge, talvez confiante na irreversibilidade da cristianização, não teve, como se disse acima, essa prudência. Consequentemente, o Povo reagiu fortemente e exigiu-lhe, ou aceitar as antigas tradições, ou abdicar do trono. Quando Inge proclamou que não faria nem uma coisa nem outra, o Povo apedrejou-o e escorraçou-o. Nesta altura, o irmão da esposa do rei, Svein, de quem Inge era aliás grande amigo, prometeu aos Suecos que os sacrifícios pagãos seriam autorizados se o escolhessem como novo monarca. O Povo aceitou e Sven tornou-se rei de toda a Nação, com um ritual de inauguração que contém uma rara descrição dum arcaico sacrifício equino tipicamente indo-europeu: um cavalo foi levado para a assembleia, cortado aos pedaços, que foram depois ingeridos colectivamente, num grande banquete em honra dos Deuses e do rei, enquanto o sangue do animal foi aspergido numa árvore sagrada. Todos os Suecos abandonaram então o Cristianismo e retornaram à fé dos seus Ancestrais.
Eis senão quando aparece em cena Eskil, bispo inglês que por ali andava em trabalho de proselitismo, e que, naquela ocasião, tentou demover o Povo de prosseguir a celebração pagã, dizendo-lhes que deviam voltar ao rebanho de Cristo. Como o Povo não lhe ligasse qualquer importância, pôs-se então a rezar; e, segundo a crónica que narra a sua lenda (redigida por cristãos, claro está) começou então a chover torrencialmente, e a trovejar, a nevar, a cair granizo também, o que destruiu o altar sacrificial e os animais do sacrifício, sem que uma só gota de água molhasse o bispo. Contrariamente ao que este esperava, o Povo não se deixou impressionar ou atemorizar, mas deixou-se enfurecer. Atacou-o duramente; um sacerdote de nome Spåbodde atingiu-o na cabeça com uma pedra, enquanto outro lhe esmagou a cabeça com um machado. Foi assim que Eskil adquiriu o título de «santo». Os chefes tribais levaram o «mártir» de arrasto até à presença do rei, acusando-o de ter conjurado artes mágicas para desencadear a tempestade. Sven condenou-o à pena capital, e o bispo foi levado para um vale onde o Povo o apedrejou até à morte. Há contudo quem diga que esta lenda foi inventada pela Igreja, e que Eskil morreu muitas gerações antes de Svein.
Inge decidiu então vingar-se e recuperar o trono. Usou para isso a táctica dos cobardes de antanho - fazendo um ataque de surpresa à casa de Svein, incendiaram-na, matando todos os que tentavam desesperadamente dela sair. Svein pode ter sido ou não (há mais do que uma versão sobre o episódio) um dos que, ao conseguir abandonar o seu domicílio em chamas, foi imediatamente chacinado.
Não se sabe ao certo se Inge conseguiu deste modo alcançar o poder. O historiador e cronista Snorri Sturlusson (autor da Edda em prosa) escreveu, no século XIII, que o sucessor de Blot-Svein foi igualmente pagão, e deu igualmente seguimento aos sacrifícios rituais:
«Nessa altura, havia muita gente em toda a parte dos territórios suecos que era pagã, e muitos eram maus cristãos; porquanto houve reis que renunciaram ao Cristianismo, e continuaram os sacrifícios pagãos, tais como Blotsvein, e, posteriormente, Eirik Arsale.»
Acredita-se que Blot-Svein teve um filho de nome Eirik Arsale («Eric das Boas Colheitas»). Este Eirik é mencionado numa fonte plausível como sendo pai de Sverker o Antigo, pelo que Blot-Svein seria o progenitor desta linhagem.
15 Comments:
Texto muito interessante. Obrigado, Caturo.
E vira o disco e toca o mesmo.
"Toda a argumentação dos meus adversários foi objectivamente batida, de ponta a ponta, sem que nenhum dos argumentos dos oponentes ficasse de pé."
Desculpa lá ó Caburro, estaremos a falar da mesma coisa? Parece-me que nã0.
Pois claro que não, ó labroste. Eu falo do que leio e escrevo, tu, sem perceberes corno do assunto, falas com a inveja e a impotência que caracteriza a escumalha da tua laia.
Nada de novo, portanto. :)
Diz-me só uma coisa: não te faz confusão saber que nesses rituais matavam animais apenas para 'honrar' as divindades? É que a mim não me parece ser uma razão muito plausível para além de achar um pouco cruel.
De facto, choca-nos. Mas, já agora, não o continuamos a fazer, ao comermos carne todos os dias? Faço notar que os animais sacrificados eram consumidos pelo Povo. Ou seja, na prática era o mesmo que agora, mas com a diferença da sacralização, ou seja, havia um ritual e um significado superior.
De qualquer modo, sou contra os sacrifícios de animais e creio que tal não é essencial às religiões étnicas europeias.
Tens toda a razão. De facto continuamos a faze-lo todos os dias e em grande quantidade.
Mas diz-me: que tipo de alternativas poderiam existir aos rituais de sacrifício?
Sacrifícios sem sangue, como de resto já existiam na Antiguidade: água, vinho, mel, pão, flores, enfim...
Já agora, faço notar que o segundo rei de Roma, Numa Pompílio, que viveu por volta de 600 a.c., só fazia rituais sem sangue, ou seja, não sacrificava animais.
Séculos depois, os sacrifícios de animais começaram a ser cada vez mais escassos entre os Romanos, os quais preferiam, pelo menos os das classes mais baixas, sacrificar efígies de animais em vez de animais vivos.
Engraçado dizeres isso. À uns tempos li algures um artigo, acerca dos hábitos alimentares dos Romanos, em que afirmava que entre 80% a 90% da alimentação romana se baseava numa dieta vegetariana, ou seja, comiam produtos maioritariamente vegetais, como também provenientes do reino animal (mel, ovos, leite) evitando a morte de animais, excepção feita apenas durante as alturas de sacrifícios.
Consideras que esta ideia tem algum fundamento e que possivelmente até seriam assim os hábitos alimentares dos romanos?
Sim, creio que sim. E até tenho a impressão de ter ouvido num programa televisivo de História que, estranhamente (estranhamente para mim...), os legionários romanos gostavam mais de comer vegetais grelhados do que de comer carne... mas não tenho a certeza.
Isso de certo modo vai de encontro ao que o artigo que li referia.
Partindo da ideia que os romanos praticavam uma dieta vegetariana, só comendo carne por altura de festividades, na tua opinião, porque razão preferiam eles comer vegetais a animais? Seria apenas a questão ética como os vegetarianos de hoje em dia, ou estaria de certo modo ligado a algo espiritual?
Duvido que fosse por vegetarianismo, mas de qualquer modo gostava bastante de saber.
Já agora, atenção que a ética também é espiritual...
A questão, a meu ver relevante, é esta: os vegetarianos não comem carne por afirmarem que matar animais é errado e cruel (e até aqui tudo bem), mas será que os romanos não comeriam carne por pensarem da mesma forma?
É que vejamos. Na verdade, eles até comiam carne, por altura das festividades, e porquê? Porque estava ligado a um rito, algo transcendente, algo metafísico. Ora, a génese da razão que faria eles comer carne, poderá ser também, a meu ver, a possível causadora por eles não comerem carne.
Peço-te desculpa se não estou a ser claro com as perguntas que faço. Estou apenas a 'bater' neste assunto porque sei que és uma pessoa com um vasto conhecimento da antiguidade e bastante familiarizado com as sociedade clássicas.
Não tens de pedir desculpa, pelo contrário, a discussão é interessante e agradável (fossem todas assim).
Ora não sei, sinceramente, se os Romanos comiam pouca carne por considerarem cruel a matança de animais. Mas não acho impossível que alguns romanos tivessem esse sentimento, como de resto os hindus têm hoje em dia, maioritariamente. Ora a Índia pode, em certa medida, ser encarada como aquilo que o Ocidente seria se o Cristianismo não tivesse vingado, salvaguardadas as devidas distâncias.
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