MEMÓRIAS DE UMA EX-COMUNISTA SOBRE O FUNCIONAMENTO DE UMA MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL
Apresentam-se a seguir alguns dos excertos que a co-blogo-tertuliante Sara seleccionou do livro que a ex-comunista Zita Seabra publicou recentemente sobre as suas memórias dos tempos em que militava na hoste foice-de-martelista.
Boa e atenta leitura, caros camaradas... a itálico estão os trechos escolhidos pela Sara, com negrito posto por mim nalgumas passagens; a escrita normal azul estão os meus comentários:
"...Nesses encontros, ele explicava-me o essencial do que era ser comunista e dava-me sempre o Avante!, e regularmente também o Militante e outros jornais clandestinos e material de propaganda do Partido. uma das primeiras explicações que me deu foi precisamente como devia guardar os materiais em casa sem correr o risco de pais, empregadas ou mesmo a PIDE - numa busca sem aviso, como erams empre- os encontrarem. Segui o conselho e fiz uma espécie de prateleira suspensa por baixo e por detrás da estante do meu quarto. Rente ao chão, mas colado ao fundo da estante, tal era o meu local secreto para a preciosa imprensa que recebia e guardava, enquanto não a passava cautelosamente a outros estudantes. Também me ensinou que devia pagar uma quota mensal, pois o Partido, dizia, vivia da receita dos seus militantes e simpatizantes. Aprendi ainda que o material do Partido não se destruía, mas antes 'se passava', depois de lido, a outros militantes- e, se não fosse possível fazê-lo, nalguma emergência conspirativa, deixava-se então em locais aonde algum trabalhador o pudesse apanhar e ler'. No próprio Avante!, uma pequena notícia destacada dizia sempre: 'O Avante! não se destrói. Com o teu esforço, com o teu espírito de iniciativa, leva o Avante! a pessoas que estão privadas da sua leitura. Deixa-o num lugar onde possa ser encontrado por trabalhadores, envia-o pelo correio a um democrata ou um amigo.'
A comoção de receber o Avante! era sempre um momento marcante. Segurar na mão um pequeno jornal subversivo, impresso em papel bíblia, sem erros nem gralhas, era um momento de respeito. E tê-lo todos os meses sem atrasos era uma espécie de milagre e de demonstração de força. Não havia Salazar nem PIDE que fosse capaz de o impedir, há anos e anos. O Avante! que, como me explicaram, era impresso em tipografias clandestinas no interior (interior quer dizer em linguagem da época, no país e não em França ou na URSS, isto é, não vinha do estrangeiro), trazia notícias recentes e, no que dizia respeito aos estudantes que eu conhecia, verdadeiras. Cabia dobrado em qualquer pequeno espaço e era de muito fácil leitura, bem paginado e organizado, com secções regulares de apresentação gráfica primorosa e, sobretudo, com uma regularidade espantosa, que nos dava simultaneamente confiança e a sensação de força do Partido. O Avante! era com toda a certeza o elo de ligação fulcral entre os militantes comunistas legais e ilegais. Com 1$00 pagava-se o jornal e a restante imprensa quie recebíamos, sempre com os respectivos preços bem impressos.(...)"
Procedimento útil, de facto... toda a propaganda é útil e deve circular tanto quanto possível pelas fileiras dos militantes, simpatizantes e, até, simples curiosos.
"O MRPP chamava nessa época ao PCP 'agência sucursal do social-imperialismo e do revisionismo', apelava ao 'fogo sobre o revisionismo' e pretendia instalar a 'ditadura democrática popular'. Os maoístas que se reclamavam do comité Marxista-Leninista Português (CMPL) publicavam jornais como O Comunista, A vanguarda, O Bolchevista. Todos eles filhos do ideal comunista, todos, como eu, filhos-família, a falar em nome de um proletariado que não conheciam e nunca tinham visto na maioria dos casos, e todos a gritar pela revolução armada."
E, actualmente, muitos dos mais fanáticos militantes do politicamente correcto anti-racista, vivem em bairros de alto nível sócio-económico, nunca andam de transportes públicos, não põem os filhos em escolas públicas (ao pé da maralha das gangues juvenis afro-ianques) nem andam em zonas perigosas...
"Rapidamente aprendi o bê-abá da luta política: primeiro é preciso ganhar as massas para objectivos simples e que não tenham à primeira vista, nada de político,"
Tudo o que esta gente faz, diz e pensa é político, mesmo quando por manha não o confessa...
"mas, condição esssencial, têm de ser justos (senão a luta fracassa)- A luta pelo uso de calças estava nessas condições, tanto mais que o regime difundia uma mentalidade inversa à modernidade. Entre as pessoas que aderissem a uma destas lutas e se mobilizassem, a maioria ficava por aí - mas alguns estavam disponíveis a ir mais longe. Destes, uns quantos havia que despertavam mesmo para a justeza da organização associativa, integrandos-se assim as associações de estudantes. era necessário, a cada momento e para cada conjunto de pessoas onde se actuava, encontrar esses pontos comuns de descontentamento e mobilização e adaptá-los bem a cada circunstância. Como ensinou Lenine: lutar só pelo possível é oportunismo de direita, e lutar só pelo impossível é oportunismo de esquerda."
Boa e atenta leitura, caros camaradas... a itálico estão os trechos escolhidos pela Sara, com negrito posto por mim nalgumas passagens; a escrita normal azul estão os meus comentários:
"...Nesses encontros, ele explicava-me o essencial do que era ser comunista e dava-me sempre o Avante!, e regularmente também o Militante e outros jornais clandestinos e material de propaganda do Partido. uma das primeiras explicações que me deu foi precisamente como devia guardar os materiais em casa sem correr o risco de pais, empregadas ou mesmo a PIDE - numa busca sem aviso, como erams empre- os encontrarem. Segui o conselho e fiz uma espécie de prateleira suspensa por baixo e por detrás da estante do meu quarto. Rente ao chão, mas colado ao fundo da estante, tal era o meu local secreto para a preciosa imprensa que recebia e guardava, enquanto não a passava cautelosamente a outros estudantes. Também me ensinou que devia pagar uma quota mensal, pois o Partido, dizia, vivia da receita dos seus militantes e simpatizantes. Aprendi ainda que o material do Partido não se destruía, mas antes 'se passava', depois de lido, a outros militantes- e, se não fosse possível fazê-lo, nalguma emergência conspirativa, deixava-se então em locais aonde algum trabalhador o pudesse apanhar e ler'. No próprio Avante!, uma pequena notícia destacada dizia sempre: 'O Avante! não se destrói. Com o teu esforço, com o teu espírito de iniciativa, leva o Avante! a pessoas que estão privadas da sua leitura. Deixa-o num lugar onde possa ser encontrado por trabalhadores, envia-o pelo correio a um democrata ou um amigo.'
A comoção de receber o Avante! era sempre um momento marcante. Segurar na mão um pequeno jornal subversivo, impresso em papel bíblia, sem erros nem gralhas, era um momento de respeito. E tê-lo todos os meses sem atrasos era uma espécie de milagre e de demonstração de força. Não havia Salazar nem PIDE que fosse capaz de o impedir, há anos e anos. O Avante! que, como me explicaram, era impresso em tipografias clandestinas no interior (interior quer dizer em linguagem da época, no país e não em França ou na URSS, isto é, não vinha do estrangeiro), trazia notícias recentes e, no que dizia respeito aos estudantes que eu conhecia, verdadeiras. Cabia dobrado em qualquer pequeno espaço e era de muito fácil leitura, bem paginado e organizado, com secções regulares de apresentação gráfica primorosa e, sobretudo, com uma regularidade espantosa, que nos dava simultaneamente confiança e a sensação de força do Partido. O Avante! era com toda a certeza o elo de ligação fulcral entre os militantes comunistas legais e ilegais. Com 1$00 pagava-se o jornal e a restante imprensa quie recebíamos, sempre com os respectivos preços bem impressos.(...)"
Procedimento útil, de facto... toda a propaganda é útil e deve circular tanto quanto possível pelas fileiras dos militantes, simpatizantes e, até, simples curiosos.
"O MRPP chamava nessa época ao PCP 'agência sucursal do social-imperialismo e do revisionismo', apelava ao 'fogo sobre o revisionismo' e pretendia instalar a 'ditadura democrática popular'. Os maoístas que se reclamavam do comité Marxista-Leninista Português (CMPL) publicavam jornais como O Comunista, A vanguarda, O Bolchevista. Todos eles filhos do ideal comunista, todos, como eu, filhos-família, a falar em nome de um proletariado que não conheciam e nunca tinham visto na maioria dos casos, e todos a gritar pela revolução armada."
E, actualmente, muitos dos mais fanáticos militantes do politicamente correcto anti-racista, vivem em bairros de alto nível sócio-económico, nunca andam de transportes públicos, não põem os filhos em escolas públicas (ao pé da maralha das gangues juvenis afro-ianques) nem andam em zonas perigosas...
"Rapidamente aprendi o bê-abá da luta política: primeiro é preciso ganhar as massas para objectivos simples e que não tenham à primeira vista, nada de político,"
Tudo o que esta gente faz, diz e pensa é político, mesmo quando por manha não o confessa...
"mas, condição esssencial, têm de ser justos (senão a luta fracassa)- A luta pelo uso de calças estava nessas condições, tanto mais que o regime difundia uma mentalidade inversa à modernidade. Entre as pessoas que aderissem a uma destas lutas e se mobilizassem, a maioria ficava por aí - mas alguns estavam disponíveis a ir mais longe. Destes, uns quantos havia que despertavam mesmo para a justeza da organização associativa, integrandos-se assim as associações de estudantes. era necessário, a cada momento e para cada conjunto de pessoas onde se actuava, encontrar esses pontos comuns de descontentamento e mobilização e adaptá-los bem a cada circunstância. Como ensinou Lenine: lutar só pelo possível é oportunismo de direita, e lutar só pelo impossível é oportunismo de esquerda."
Também o falecido William Pierce salientou isto mesmo, explicando assim porque é que os revolucionários de Esquerda vão conseguindo alcançar todos os seus objectivos, geração após geração, porque lutam sempre pela perfeição (do seu ideal), enquanto a «Direita» reaccionária é, o mais das vezes, puramente defensiva e a sua resistência só tem servido, na melhor das hipóteses, para retardar o avanço da Esquerda.
"Todo o liceu me conhecia como revolucionária e eu comecei a apreciar este estatuto. Dava-me importância e, sobretudo, uma certa sensação de superioridade, de estar acima do resto das colegas. Já tinha assimilado um dos conceitos essenciais da esquerda comunista: gostar das massas populares para mandar nelas - aquilo a que Vaclav Havel chamou com muita propriedade 'introverter o papel de vanguarda dos comunistas'. E o facto de no liceu me reconhecerem nesse papel e de sentir que me viam como um perigo para a paz interna, me saberem uma subversiva, mais acentuou esse sentimento."
(...)
"tive a sorte de não passar pela minha geração sem dar por nada. com todos os erros e heranças dramáticas da geração dos anos 60, da geração associativa, é muito gratificante recordar na memória esses tempos. Faz-me sempre alguma pena ver pessoas que por lá passaram sem dar por nada e que reagem agora, uma geração depois, com o ar conspirativo e vanguardista que nós só exibíamos aos 20 anos. Há uma certa direita e mesmo alguma esquerda em Portugal que efectivamrnte não deu por nada e passou a viver no temor de perder novamente o carro da história. E agora, então viraram, fora do tempo soixante huitards retardados: associativos e associativas sem movimento ou, melhor dizendo, antifascistas retroactivos."
"Sendo eu uma militante de vanguarda num partido de vanguarda, compreendia perfeitamente que as dúvidas eram resquícios da origem de classe e que todos os meios eram válidos para defender o socialismo. Lembro-me de um dia Cunhal explicar, numa reunião plenária de funcionários do Partido, que somos contra a pena de morte, agora, neste regime, mas se estivéssemos no poder e pusessem em perigo o regime socialista, não haveria outro remédio.
A diferença entre o que se dizia , ou escrevia, e aquilo que verdadeiramente se pensava era algo que se aprendia com o tempo, mas rapidamente qualquer militante como eu o sabia.
Entre as poucas obras que tinha lido na legalidade e que todos os militantes liam, havia uma brochura, um pequeno livro da autoria de Álvaro Cunhal, chamado A Superioridade Moral dos Comunistas. Esta era uma obra essencial para se formar um militante e um funcionário do Partido. É a teorização do relativismo moral e ético. A moral e a ética submetida aos superiores interesses da classe operária e do seu partido. Cunhal tinha-a concebido e escrito na cadeia. Aí se teoriza, se resume e se molda, verdadeiramente, o essencial da mentalidade de um militante comunista.
A partir da sua interiorização, percebi um conceito-chave da militância comunista: que a classe operária, com a sua histórica missão libertadora, tem uma legitimidade própria, uma moral própria. A classe operária, sob pena de não conseguir levar a bom porto essa sua missão, tem não só o direito mas sobretudo o dever de usar todos os meios para atingir os seus fins. Assim pensava eu."
Actualmente, o objectivo da Esquerda anti-racista pode ser diferente, mas a mentalidade é a mesma - em Portugal é conhecida a arrogância obscena dos militantes do BE que propagandeiam os seus aberrantes e revoltantes ideais como se estivessem a dar lições de moral.
Contra quem pensa por este padrão não há outro caminho para além da guerra total, ponto por ponto, até à sua completa destruição política.
"Quando Álvaro Cunhal decidiu deixar de viver na URSS ou na Checoslováquia- isto é, quando não quis viver mais no meio do socialismo real e optou por viver em Paris (onde permaneceu até ao 25 de Abril de 1974)-, foi o PCF que o recebeu e acolheu."
(...)
"No seguimento da construção teórica produzida, cunhal fez aprovar no Comité Central a resolução chave para viabilizar a sua revolução democrática e nacional: os comunistas não mais deviam desertar das fileiras do exército colonial indo ao invés minar as forças armadas do regime até à sua queda. Aproveitava-se assim o facto de as forças armadas, desgastadas numa guerra em várias frentes e dispersas pelos enormes territórios das ex-colónias, precisarem cada vez mais de gente e os recém licenciados ingressarem como oficiais milicianos- e não como meros soldados rasos. Os militantes comunistas passariam portanto a fazer o serviço militar obrigatório e em muitos casos a chefiar militares de carreira com patentes mais baixas. Põe-se em práctica a tese leninista de que a revolução armada se dá quando metade das armas, mais uma, se viram para fazer a revolução, em vez de a combater."
(...)
"Mas pior que os 'rachados' (assim se chamava aos que entregavam à PIDE) eram os que abandonavam as fileiras do Partido em choque com a direcção, por divergências políticas ou ideológicas. A história do PCP só tinha heróis, não tinha dissendentes, nem divergências, nem choques ou golpes. Ou melhor, sabia-se que tinham existido, mas não se falava disso. (...) quem matou afinal Manuel Domingos? dizia-se apenas que a PIDE afirmava que tinha sido o Partido. Presumia-se que tinha sido feita justiça. Mas explicava-se que, agora, o Partido achava que a justiça devia ser exercida apenas nos casos em que os ex-militantes se passavam para a PIDE, pra as fileiras do inimigo. E a fase do simples ajuste de contas ideológico tinha passado.
Assim, desaparecia da história do PCP toda a gente que tivesse divergências. Eram apagados da história, independentemente da sua importância em determinada fase da vida do PCP. Era assim e assim continuou a ser."
(...)
"Francisco Miguel, que no fim da vida foi miseravelmente tratado pela direcção do PCP e terminou a guardar a porta da sede central do Partido, era um homem modesto. (...) Francisco Miguel, quando deixou de ser deputado e saiu do comité Central - Álvaro Cunhal nunca gostou de quem tinha grandes e heróicos currículos -, ficou à porta da sede e todos os dias apanhava caracóis nos terrenos (na altura) baldios da Soeiro Pereira Gomes, para petiscar com os outros camaradas da segurança. Fazia pena e era uma situação não única mas triste. Vivia só e gostava muito de ler. Um dia juntou dinheiro com o seu ordenado de funcionário (não tinha quase gastos nem família próxima) e decidiu comprar uma estante para pôr os seus livros em casa. Pegou no dinheiro e foi de metro à casa onde a tinha visto. No metro, foi assaltado e ficou sem o dinheiro. Sabendo disto, um grupo de camaradas, entre os quais eu própria, começou a recolher fundos para lhe devolver o dinheiro roubado. Cunhal soube e mandou devolver imediatamente o dinheiro a quem o tinha dado, porque o ordenado de funcionário era o ordenado de funcionários - e, se foi roubado não o tivesse sido."
Percebi bem? O líder do partido manda que os militantes deixem de apoiar um camarada a título pessoal... e obedecem-lhe?...
(...)
"Muito pouco tempo após a passagem à clandestinidade tive consciência do primeiro princípio que iria nortear a minha vida de militante, e sobretudo de funcionária e dirigente de um partido comunista: o Partido estava à frente de tudo na minha vida. Não haveria relações familiares, nem amizades, nem profissão, nada se sobreporia aos interesses do Partido e esses interesses é que iriam determinar a cada momento o que eu iria fazer ou decidir da minha vida. E foi assim até ao dia em que optei pela dissidência. O Partido, vanguarda organizada da classe operária e motor da revolução, passou a sobrepôr-se à minha vida. não era muito estranho que assim fosse nesta fase da clandestinidade, em que tudo o que se passava comigo tinha a ver necessariamente com o partido, mas continuou a ser também assim quando, após o 25 de Abril, passei à legalidade e a viver normalmente em democracia.
Na clandestinidade, esta era a questão essencial em que assentava a disciplina, pois, além do mais e como se verá, não era permitido saber qual o objectivo de muitas das tarefas que cumpríamos, bastando apenas uma fé e uma confiança cegas no Partido.
Este viver em função do Partido aprendia-se e ensinava-se mas, sobretudo, sentia-se e introvertia-se. É assim em todas as organizações sectárias. Ensinava-se que a tendência natural da pessoa é para pensar em si e no mundo em função de si mesmo, mas que isso vem do facto de se viver numa sociedade dividida em classes, e ensinava-se que os camaradas de origem burguesa têm particular tendência para o desvio ideológico, pois não têm somente a perder como os operários, as grilhetas que os acorrentam. Fui muitas vezes avisada para combater em mim própria essa natural tendência (não genética, mas de berço) e saber perceber o interesse real do Partido, em cada gesto, atitude e pensamento. Aprender a dissolver o nosso eu no colectivo. Tanto assim era que só quando abandonei o PCP, depois de cortar o cordão umbilical, é que passei, em conversas com amigos ou em discursos públicos, a dizer 'eu penso, eu acho, eu fiz'.(...)
Não há melhor exemplo, para se entender o significado mais profundo deste princípio orientador da vida, do que pensar também na decisão tomada pelo Partido Comunista chinês no tempo da Revolução Cultural com Mao Tse Tung, quando foi decidido abolir as cozinhas nas casas das famílias para acabar com o maior entrave ao colectivismo e ao comunismo- a família-, abolindo esse momento que era a reunião familiar à mesa de almoço ou de jantar. E foi assim que as pessoas passarama a comer em cantinas colectivas.
Nunca numa reunião do Partido se diz: 'Eu acho que devo fazer isto ou aquilo', mas sim 'O Partido acha que se deve fazer assim' e o Partido não precisa de explicar muito ou muitas vezes nada, porque, se é assim que se defende os interesses do Partido, é assim que se faz. Já na legalidade, lembro-se, por exemplo, de uma ocasião nas eleições presidenciais de 1986, em que fui para Nisa fazer um plenário de militantes. Tinha de os ganhar para votarem em Mário Soares na segunda volta das eleições, depois de termos feito toda a primeira volta jurando que não o apoiaríamos. Lembro-me de entrar sozinha na escola cheia de militantes com ar sério e o controleiro de Nisa dizer, logo que me sentei na mesa para falar, perante todos os camaradas: 'O Partido manda-nos votar no Soares não é?' Disse que sim. 'Então não precisas de perder mais tempo.' e fui-me embora."
"Muito pouco tempo após a passagem à clandestinidade tive consciência do primeiro princípio que iria nortear a minha vida de militante, e sobretudo de funcionária e dirigente de um partido comunista: o Partido estava à frente de tudo na minha vida. Não haveria relações familiares, nem amizades, nem profissão, nada se sobreporia aos interesses do Partido e esses interesses é que iriam determinar a cada momento o que eu iria fazer ou decidir da minha vida. E foi assim até ao dia em que optei pela dissidência. O Partido, vanguarda organizada da classe operária e motor da revolução, passou a sobrepôr-se à minha vida. não era muito estranho que assim fosse nesta fase da clandestinidade, em que tudo o que se passava comigo tinha a ver necessariamente com o partido, mas continuou a ser também assim quando, após o 25 de Abril, passei à legalidade e a viver normalmente em democracia.
Na clandestinidade, esta era a questão essencial em que assentava a disciplina, pois, além do mais e como se verá, não era permitido saber qual o objectivo de muitas das tarefas que cumpríamos, bastando apenas uma fé e uma confiança cegas no Partido.
Este viver em função do Partido aprendia-se e ensinava-se mas, sobretudo, sentia-se e introvertia-se. É assim em todas as organizações sectárias. Ensinava-se que a tendência natural da pessoa é para pensar em si e no mundo em função de si mesmo, mas que isso vem do facto de se viver numa sociedade dividida em classes, e ensinava-se que os camaradas de origem burguesa têm particular tendência para o desvio ideológico, pois não têm somente a perder como os operários, as grilhetas que os acorrentam. Fui muitas vezes avisada para combater em mim própria essa natural tendência (não genética, mas de berço) e saber perceber o interesse real do Partido, em cada gesto, atitude e pensamento. Aprender a dissolver o nosso eu no colectivo. Tanto assim era que só quando abandonei o PCP, depois de cortar o cordão umbilical, é que passei, em conversas com amigos ou em discursos públicos, a dizer 'eu penso, eu acho, eu fiz'.(...)
Não há melhor exemplo, para se entender o significado mais profundo deste princípio orientador da vida, do que pensar também na decisão tomada pelo Partido Comunista chinês no tempo da Revolução Cultural com Mao Tse Tung, quando foi decidido abolir as cozinhas nas casas das famílias para acabar com o maior entrave ao colectivismo e ao comunismo- a família-, abolindo esse momento que era a reunião familiar à mesa de almoço ou de jantar. E foi assim que as pessoas passarama a comer em cantinas colectivas.
Nunca numa reunião do Partido se diz: 'Eu acho que devo fazer isto ou aquilo', mas sim 'O Partido acha que se deve fazer assim' e o Partido não precisa de explicar muito ou muitas vezes nada, porque, se é assim que se defende os interesses do Partido, é assim que se faz. Já na legalidade, lembro-se, por exemplo, de uma ocasião nas eleições presidenciais de 1986, em que fui para Nisa fazer um plenário de militantes. Tinha de os ganhar para votarem em Mário Soares na segunda volta das eleições, depois de termos feito toda a primeira volta jurando que não o apoiaríamos. Lembro-me de entrar sozinha na escola cheia de militantes com ar sério e o controleiro de Nisa dizer, logo que me sentei na mesa para falar, perante todos os camaradas: 'O Partido manda-nos votar no Soares não é?' Disse que sim. 'Então não precisas de perder mais tempo.' e fui-me embora."
20 Comments:
Como ja' disse apesar de nao compartir as ideias do blogger, aceito os seus pontos de vista. 'E por isso com muita pena que vejo os varios posts sobre zita seabra. Se fosse o blogger a escrever seria capaz de ler as suas opinioes e mesmo discordando, considero-o uma pessoa inteligente e com poder argumentativo. No entanto sou incapaz de ler qualque post sobre zita seabra ate' ao fim. Geralmente as primeiras linhas confirmam a minha intuicao de que se trata de uma pessoa com a capacidade intelectual de um bacalhau e a espinha dorsal de uma anemona.
Substitua as criticas ao comunismo da zita seabra pelas suas criticas ao comunismo e poderei ter os posts em conta.
LMS
Caro LMS, pode referir quais as partes destes excertos de Zita Seabra que lhe suscitam desprezo intelectual?
Antes de apontar os excertos que requerem que leia o texto todo resumirei:
A senhora aparentemente critica tudo o que seguia cegamente durante muitos anos. Estava cega? Era jovem (em 1986 acho que ja' nao tinha a desculpa dos 15 anos)? Era Idiota? Tinha medo? Nao tinha Ideias proprias? Era simplesmente uma tachista? Ou gostava da "certa sensação de superioridade, de estar acima do resto das colegas"?
Fast Forward:
"Tinha de os ganhar para votarem em Mário Soares na segunda volta das eleições, depois de termos feito toda a primeira volta jurando que não o apoiaríamos...."
Este 'e o mesmo da apresentacao do livro?
LMS
Voltando a um texto mais antigo:
"Essa simplicidade é muito perigosa. E quando se recupera a liberdade o mundo torna-se mais complexo. Não é tão fácil sobreviver. Mas a liberdade é muito boa."
Que bonito, parece uma cancao do Quim barreiros.
"O que esta errado no comunismo sao as ideias, nao e' a pratica"
Afinal em que 'e que ficamos, passa o livro todo a criticar a practica da lavagem cerebral, e afinal a pratica esta' bem? Ou sera a pratica de ter um lugar no parlmento que esta' bem?
E afinal quais sao as ideias de Zita Seabra? Gostava de saber, nao para julga-la porque isso: "nao aceito que me julguem"
LMS
A senhora aparentemente critica tudo o que seguia cegamente durante muitos anos. Estava cega? Era jovem (em 1986 acho que ja' nao tinha a desculpa dos 15 anos)? Era Idiota? Tinha medo? Nao tinha Ideias proprias? Era simplesmente uma tachista? Ou gostava da "certa sensação de superioridade, de estar acima do resto das colegas"?
Fosse qual fosse o motivo - na pior das hipóteses, mais vale tarde, o arrependimento, do que nunca.
De resto, interessam mais os factos que revela do que o seu carácter ou nível intelectual.
"Essa simplicidade é muito perigosa. E quando se recupera a liberdade o mundo torna-se mais complexo. Não é tão fácil sobreviver. Mas a liberdade é muito boa."
Que bonito, parece uma cancao do Quim barreiros.
Quem vem das fileiras comunistas, teve naturalmente uma escola de propaganda emotiva e bombástica...
"O que esta errado no comunismo sao as ideias, nao e' a pratica"
Afinal em que 'e que ficamos, passa o livro todo a criticar a practica da lavagem cerebral, e afinal a pratica esta' bem?
Não há uma só palavra de Zita Seabra a aprovar a prática comunista - o que ela afirmou foi que o mal do Comunismo não se limita à prática, está, antes de mais nada, na própria ideologia em si.
Eu acho interessantes estes desabafos da Zita Seabra, porque existe muita gente na situação dela. Até a mim já me chamaram de comunista na altura em que não compreendia muito bem a minha posição politica, só por ter ideias sociais, mas apesar disso não era, porque até pensava que era um misto de direita como esquerda.
Quando falo de politica com amigos, a maior parte não quer saber disso para nada, mas os outros têm sempre a ideia de que a direita só quer saber de dinheiro, o que leva os mais idealistas sempre para a esquerda, mesmo que as suas ideias sejam de direita.
É caso para dizer que todos, ou quase todos, nascemos com cérebros de bacalhau. :)
"O que esta errado no comunismo sao as ideias, nao e' a pratica"
Foi retirado da entrevista de um post anterior.
"De resto, interessam mais os factos que revela do que o seu carácter ou nível intelectual."
Pois aqui discordo, de facto a razao de eu visitar o seu blog prende-se com o facto de o considerar de um nivel intelectual acima da me'dia (mais uma vez ressalvo a minha discordancia com a ideologia), o que alias e' bem patente na nao aceitacao do blogger dos ataque muculmanos a judeos e cristaos (apesar de os primeiros partilharem a sua menor simpatia com os segundos e terceiros)Nem todos os inimigos dos meus inimigos sao meus amigos, isso demonstraria caracter.
"Fosse qual fosse o motivo - na pior das hipóteses, mais vale tarde, o arrependimento, do que nunca."
Sera' arrependimento de ter sido comunista ate' demasiado tarde ou arrependimento de nao se ter juntado 'as fileiras do PSD mais cedo e assim garantir um tacho vitalicio. Ou sera simplesmente sindroma de rato a abandonar o navio quando a "certa sensação de superioridade" foi pela pia abaixo?
LMS
Não tenhamos ilusões: se não fosse a derrocada do muro de Berlim e do império soviético, ainda hoje a Zita Seabra seria comunista.
No fundo, ela é apenas uma oportunista, como tantos outros, que gostam de aproveitar as benesses da política e do poder, venha de que quadrante ideológico vier, ou mesmo sem ideologia nenhuma.
"De resto, interessam mais os factos que revela do que o seu carácter ou nível intelectual."
Pois aqui discordo,
O que me parece realmente importante é saber se algum militante do PCP se atreve a contestar um só dos factos apresentados por Zita Seabra.
Aqui teriamos que fazer a distincao entre militantes do Partido Comunista Portugues e militantes Comunistas e separar as 'aguas. Ideologicamente Zita Seabra era uma militante do Partido Comunista Portugues e nao uma militante comunista. Ideologicamente nao era comunista/socialista mas sim adepta da "certa sensação de superioridade". 'E por isso que nao 'e possivel dar qualquer credito aos seus ataques ideologicos ao sistema social/politico do comunismo.
LMS
Aqui teriamos que fazer a distincao entre militantes do Partido Comunista Portugues e militantes Comunistas e separar as 'aguas.
Aqui sim, tem razão.
Ideologicamente nao era comunista/socialista mas sim adepta da "certa sensação de superioridade"
Não é verosímil pôr em causa a sinceridade ideológica de Zita Seabra quando era comunista - quem durante os anos difíceis se embrenhou a fundo num partido ilegal, seguramente que não o faria por mero oportunismo.
De facto, pensando melhor, os comunistas deveriam erguer uma estatua a Zita Seabra. A senhora e' a prova provada da razao porque a verdadeira ideologia socialista nunca triunfou: por que existem pessoas como ela. Disso sim e' um exemplo.
mais:
"no sentido de preservar o Partido e salvaguardar a sua sobrevivência era essencial que os revolucionários profissionais- os funcionários- estivessem preparados para, uma vez presos, resistirem, não falarem, não denunciarem outros funcionários, não entregarem as organizações que conheciam, não cederem à PIDE nem com chantagens, nem com promessas e, sobretudo, nem com torturas. As torturas da PIDe nesta época consistiam em espancamentos, mas sobretudo na tortura do sono, que é uma das formas mais brutais de tortura. Era, pois, necessário preparar os militantes legais para resistirem- mas preparar especialmente os funcionários.
Primeira regra: quanto menos informação se tivesse, menos se podia denunciar, obviamente. Nesta altura, por exemplo, eu era funcionária, mas não conhecia quase nada do aparelho clandestino. Cada um de nós procurava mesmo conhecer o menos possível.
Segunda regra:m dar toda a informação que se conhecia sobre os métodos da PIDE e sobre as reacções de outros camaradas presos que tinham passado pelo mesmo, para que o preso fosse surpreendido o menos possível no momento em que vivesse aquela situação dramática. Sabia-se que havia sempre 'o pide bom e o pide mau', que nos interrogatórios o mau batia e torturava e, depois, o bom, com falinhas mansas, aconselhava a que, se o preso falasse, dissesse umas coisinhas, todas as torturas acabariam e o preso iria em paz para a cela, ou mesmo para a liberdadee. Avisava-se que a polícia inventava, dizendo, por exemplo, que havia outros presos que já tinham falado, que eles só desejavam confirmações- o que era, quase sempre, pura invenção para 'quebrar' a resistência do preso.
Terceira regra: o militante e o funcionário, em particular, tinha de estar consciente de que, se falasse, outros camaradas iriam passar pelo horror em que ele se encontrava e o Partido iria sofrer danos que, por vezes, levariam anos a reparar. Assim se explicava a expulsão óbvia e automática de quem falasse na cadeia, e o seu isolamento e ostracismo entre os amigos e conhecidos."
mais ainda:
"Detestava as falhas no cumprimento da orientação estabelecida. Era dura a ajuizar essas falhas: se os camaradas concordam com uma greve em Letras, porque é que Letras não entrou em greve? A isto chamava-se no Partido, e chama-se em todo o lado, controlo de execução. Não havia disciplina possível se não se começasse a reunião seguinte por averiguar, ponto a ponto, o cumprimento das decisões anteriores e por encontrar o responsável pelo que se cumpriu e (sobretudo) pelo que falhou. Nunca, na clandestinidade ou depois na legalidade, condescendi com qualquer espécie de amiguismo, ou de 'cunhas':só se me fosse imposto pelo Partido, o que me revoltava profundamene quando acontecia."
(...)
"As grandes campanhas dos comunistas nunca foram de confronto ideológico, nem em Portugal nem noutro país.É raro um comunista discutir ideologia ou ideias: isso fazem os 'verbalistas pequeno-burgueses'. Os comunistas atacam pessoalmente."
Muita gente comenta sem saber.
Na realidade, o Partido estava organizado em células (possivelmente ainda hoje terá algumas dessas células secretas, para uma eventualidade...), controladas por um controleiro (passe o pleonasmo), e por aí acima, isto fazia com que, no caso de algum militante ou funcionário do partido ser apanhado, a sua hipótese de denúncias era relativamente pequena, por isso Zita Seabra "não querer saber de muitas coisas", verdadeiramente só a ideologia e a obra de agitação e propaganda contava.
Também há quem diga que, lá se usava aquela máxima de Frei Tomás "faz o que ele diz, não faças o que ele faz".
Isto dizem as más línguas ou terá sido um passarinho?
Frei Tomaz said...
Muita gente comenta sem saber.
Na realidade, o Partido estava organizado em células (possivelmente ainda hoje terá algumas dessas células secretas, para uma eventualidade...),
Espero que a PJ e o SIS estejam atentos. Este Frei parece que sabe da missa.
Para fazer um comentário tão pateta e patético, so poderia ser um "Mc Carthy".
Ou é muito puto ou um ingénuo desconhecedor, pois quem viveu nos tempos da Revolução, soube, (se andasse minimamente atento), que o PC estava assim organizado, bastava ler os jornais ou ouvir alguns comunas que andavam para aí todos inchados armados em heróis como se a Revolução dos Cravos tivesses sido feita por eles, depois...é pura lógica.
Mas que você parece agente provocador, lá disso tem pinta!
V. é que apareceu para aqui todo inchado a contestar os comentários de terceiros e com vontade de provar que sabe da coisa e acrescentou:
possivelmente ainda hoje terá algumas dessas células secretas, para uma eventualidade...), se no entusiasmo escreveu algo que o comprometeu e agora está para ai a estrebuchar, isso é lá consigo, eu tenho mais com que me preocupar que o aturar.
Mc Carthy, não se vê ao espelho todos os dias, será que gosta da imagem que vê?
Olhe, eu pelo seu comentário, acho que não, posso vir aqui "todo inchado" contestar os comentários de terceiros" ou "estrebuchar" por ter ficado preocupado com o que disse, como diz, mas uma coisa ninguém jamais leu nos meus comentários, é chamar a polícia para analisar os comentários seja de quem for, isso é típico dum Mc Carthyano da GESTAPO, ou na nova vaga de bufos que por aí andam.
A si dava-lhe dois prémios: a si
pessoalmente como o "Pateta-Mor do Reino", pois só um pateta é que vem aqui pedir à polícia para investigar um simples comentário, quer você ensinar a "missa ao padre", acha que é preciso pedir à PJ ou ao SIS para lerem e investigarem o que quer que seja escrito aqui ou noutro lado, não é esse o papel deles, ou precisam da sua "ajuda"?
Quanto ao segundo prémio: dava-lhe o do "comentário mais estúpido" alguma vez escrito num forum livre, se gosta de andar com o braço esticado, seja com a mão aberta ou fechada é lá consigo, mas não se arme em pidesco que isso não é digno de ninguém.
Quem não tem paciência para bufos sou eu ,conversa acabada!
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