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Concílio dos Deuses («Eneida» de Virgílio, Livro X), por Francis Cleyn em 1582-1658
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«Franceses e Belgas, de raças gálicas e célticas, por fim haveis-vos livrado do culto abraçado pelos bárbaros; sem embargo, todo o Povo necessita de uma religião positiva. Quem éreis vós antes da apostasia de Clovis? Pertencestes àquele grande império romano do qual fostes membros, que nos trouxe as luzes do pensamento e as artes, que vos deu a organização comum e vos fez cidadãos da grande unidade romana. A vossa língua, a vossa educação e os vossos costumes ainda hoje o atestam: já que de aqui em diante estais livres de obstáculos, deveis pensar na vossa regeneração para serdes dignos de reclamar para as vossas províncias o favor dos doze grandes Deuses. A corrente eterna que une o nosso mundo ao pé de Júpiter nunca se rompeu mas tem estado oculta da vossa visão pelo véu da ignorância. Os Deuses continuam a reinar nos Seus astros resplandecentes, presidem aos vossos destinos e, se os fizeram fatais, voltarão a fazê-los felizes quando as vossas orações restabelecerem a aliança entre os céus e a terra. (...)»
Já não sei onde encontrei o trecho que acima se lê; mas, como soa bem. deixo-o aqui ficar, enquanto, entretanto, apresento um outro, que sei pertencer à obra «La Threicie», cá vai:
«Não é do espírito que recebemos o Mal; o espírito não se engana sobre a natureza do Mal em todas as suas facetas, mesmo quando tenta provar que não é Mal para se ocultar; mas ele vem do coração. Por isso, o primeiro meio desta regeneração deve ser uma virtude do coração, o sentimento religioso [pietas]. Creio que os Deuses ensinaram aos homens os métodos de regeneração, mas este meu infeliz século, que não tem escolha entre esta opinião e aquela segundo a qual os métodos de regeneração são uma concepção natural, escolherá esta última. De qualquer forma, não me importa o que tenho para lhe oferecer e provar.
O sentimento religioso é, portanto, a primeira virtude que nos pode regenerar, mas devemos saber para onde dirigi-lo e para que Seres.
(...)
Não adorareis, não invocareis, não sacrificareis sem antes vos purificardes, lavando o corpo ou pelo menos as mãos. A religião é a expressão da existência, e os seus actos são os símbolos que expressam acções invisíveis e aqueles que as realizam. Sem lavar as mãos, Hesíodo diz sempre, não ofereçais vinho ao amanhecer a Júpiter nem a todos os Deuses, porque não sereis ouvidos. Se faltar água, purificai-vos no fogo; se faltarem ambos, fazei-o no ar, pedindo que a água que lava tudo limpe também a vossa impureza. Na água em que vos lavardes, colocai o sal da sabedoria, que a santificará. Santificareis também a mesa e usareis sempre sal em todos os sacrifícios.
Para realizar o acto de adoração, virar-vos-eis para os Deuses voltado para o Oriente, se de manhã; para o sul e para o pôr do Sol, se ao meio-dia e à noite. Nestas direcções está o coração do mundo e o seu fulcro.
Dejanira (segundo Sófocles), enviando ao seu marido Hércules aquela famosa túnica que lhe seria fatal, diz que é com esta túnica que se deve apresentar aos Deuses...
[PROVÁVEL OMISSÃO DE PALAVRAS NA EDIÇÃO ORIGINAL]...
Levareis então a mão direita, que é a mão do poder, com o polegar apoiado no indicador, que o simboliza, à boca, porque é a sua palavra que deve adorar a palavra dos Deuses e falar a Sua língua, ab ore orare ["da palavra boca vem o verbo orar"]. Então, colocar-vos-eis diante Deles e voltar-vos-eis traçando um círculo: os Romanos giram da direita para a esquerda; os Celtas vossos antepassados, ó Europeus, rodaram da esquerda para a direita. Deixo-vos livres para escolher, mas são os ritos romanos que deveis ter em mente. Vós não sois mais do que fragmentos do Império Romano. Assim, vereis todos os Deuses e sereis vistos por Eles, e então descansareis no Seu repouso e unidade.
Ó Grande Deusa, não acredito que esteja a profanar os Teus mistérios ao escrever estas coisas!
Quer ofereçais incenso ou as partes da vítima sacrificada como holocausto, isto é, as partes gordurosas e as entranhas, agitar-vos-eis, traçando uma cruz de leste a oeste e de sul a norte. Traçareis uma cruz pela qual tudo se realiza, porque é o símbolo do poder dos Deuses, da vida futura e eterna. Traçar uma cruz desta forma cria um círculo com quatro ângulos rectos; é o que os antigos chamavam ferctum obmovere ["oferecer a oferenda"].
Que o fogo do vosso lar seja sagrado. É o altar doméstico, o lugar onde reside o poder de Vesta e dos Deuses tutelares. Não cometereis nenhuma indecência na sua presença: os Deuses castigar-vos-ão.
Não vos despireis diante do vosso lar, diz Hesíodo, porque aí residem os Deuses. Aí fareis sacrifícios e libações familiares. O que é mais sagrado, o que é mais digno numa religião — diz Cícero — do que o lar de cada cidadão? São os altares, as lareiras, os Penates, os objectos sagrados da família, os ritos, as cerimónias.
Se não vos dissesse que vos transmito a religião que veio do seio da divindade, dir-vos-ia: Transmito-vos a religião dos heróis. Levanto-me do meu leito — diz Eneias na Eneida — e, soltando um grito de alegria, estendo as minhas mãos suplicantes ao céu; deito puras oferendas no fogo, um presente imaculado, e, feliz por ter cumprido este dever, anuncio a meu pai a visão que recebi dos Deuses... e mais adiante: dizendo isto, reacende as brasas, sopitos ignes (não se refere às brasas apagadas, porque então ele teria de as reacender), desperta o lar de Pérgamo, o santuário da casta Vesta, e realiza um sacrifício de farinha pura. Enchendo um incensário de perfume, faz fumegar aquele incenso em honra dos Deuses. Este é o incensário que eu disse que toda a família deveria ter para este fim. É aqui, na lareira, que realizareis todos os vossos ritos, esperando que a Verdade tenha templos públicos. E nesta mesma lareira continuareis, daí em diante, com os vossos ritos familiares e aqueles que vos são mais particulares.
Este culto, celebrado desta forma, é agradável aos Deuses!»
In «La Threicie - O único caminho das ciências divinas e humanas, da adoração verdadeira e da moral», obra editada em 1799 por Gabriel André Auclerc.
Gabriel André Auclerc é também conhecido como Quintus Nantius, francês do século XVIII que, sendo um fervoroso apoiante dos ideais revolucionários, apreciava com igual ou maior fervor a herança sagrada da antiguidade pré-cristã, o que o fez converter-se à antiga religião pagã romana e transformar a sua casa num templo para adoração de Júpiter, Juno, Marte e demais Divindades da Latinidade. Acabou por congregar em seu redor um certo número de adeptos, que semanalmente se reunia em sua casa para prestar culto a Júpiter.
Na obra acima citada propunha aos Franceses do período revolucionário, por ora libertos do domínio da Igreja Católica, um retorno ao culto das Deidades da sua ancestralidade latina.