terça-feira, junho 18, 2024

SOBRE A NEGOCIATA PRIVADA EM VILA FRANCA DE XIRA PARA SUSTENTAR A TOURADA

A praça de toiros de Vila Franca de Xira é propriedade da Santa Casa da Misericórdia que entrega a exploração do recinto a uma empresa privada. As touradas são promovidas por essa empresa tauromáquica com forte apoio da Câmara Municipal, que também investe na conservação do recinto.
Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira valoriza tanto a questão das touradas, que até criou um grupo próprio que tem por missão ir ao campo analisar e aprovar os toiros escolhidos para os espetáculos tauromáquicos que são promovidos na praça de toiros. Este grupo de pessoas é designado de “vedores de toiros” da SCM de Vila Franca de Xira.
O actual Provedor da SCM é Armando Jorge Gonçalves de Carvalho, um conhecido aficionado das touradas e das tertúlias vilafranquenses, que é também o representante da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) na Federação Prótoiro, à qual a UMP aderiu em 2018.
Nesse ano (2018), o então Presidente da Câmara referiu numa entrevista1 que a Câmara de VilaFranca de Xira gastava cerca de 270 mil euros de fundos públicos com as actividades tauromáquicas no concelho, nomeadamente a Feira das Tertúlias, a Semana da Cultura Tauromáquica, o Colete Encarnado e a Feira de Outubro, e ainda o apoio ao funcionamento da Escola de Toureio José Falcão.
No entanto, é possível que esse valor seja mais elevado. Ainda este ano (em Maio de 2024), a Câmara pagou mais de 20 mil euros à empresa RACG (que gera a arena) para a colocação de painéis de publicidade na praça de toiros.

Ricardo Levesinho
A Santa Casa lança um concurso para a exploração da praça de touros de 2 em 2 anos (com possibilidade de prolongamento por 3 anos).
Em Dezembro de 2017 foi lançado um concurso para as temporadas de 2018 e 2019, concurso que foi ganho pelo empresário tauromáquico Ricardo Levesinho através da empresa RACG - Sociedade Comercial, Lda, da qual fazem parte o irmão e pai de Levesinho.
Em Março de 2023 era noticiado que o empresário Ricardo Levesinho tinha sido reconduzido na exploração da praça de touros de Vila Franca de Xira até 20262. Segundo as informações da imprensa, o contracto contempla dois anos (2023 e 2024) mas também uma cláusula que permite a renovação automática pelas duas temporadas seguintes, 2025 e 2026, os quatro anos do mandato da Mesa Administrativa da Santa Casa.
Os cartazes de promoção das touradas em Vila Franca de Xira indicam como promotor a empresa "Tauroleve – Sociedade Tauromáquica Letra da Neta, Lda", que também é detida por Ricardo Levesinho e Augusto Levesinho (pai do empresário). O irmão (Rui Levesinho) é Assessor da Administração e Director de Campo da Tauroleve3.
Em 2018, estes empresários estiveram envolvidos numa polémica relacionada com os fundos públicos recebidos da Câmara de Vila Franca de Xira, através de uma empresa ligada ao ramo imobiliário do pai de Ricardo Levesinho. Na altura a revista “Sábado” publicou uma reportagem intitulada “Câmara de Vila Franca aluga touros a empresa de condomínios“. A empresa designada “Contaleve, Lda.” era uma sociedade registada com o objecto social de “administração de condomínios” e de “actividades de contabilidade e auditoria e consultoria fiscal, mas recebeu 56000 euros da Câmara pelo aluguer de touros para e eventos tauromáquicos: a semana tauromáquica, o Colete Encarnado e feira anual de Outubro.
Segundo a reportagem da "Sábado", “O documento, que está disponível para consulta pública, indica como segundo outorgante Augusto de Carvalho da Costa Levesinho, que outorga em nome e representa de Contaleve, Limitada, e como primeiro outorgante António José Sequeira Félix, vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, identificado como pessoa coletiva de direito público no mesmo“.
Esta empresa apresenta graves dificuldades financeiras encontrando-se num Processo Especial de Revitalização (CIRE) no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira envolvendo vários credores.
Este empresário mantém boas relações com a Misericórdia e as autarquias de Vila Franca de Xira e Moita e, segundo uma investigação da plataforma Basta de Touradas, no espaço de apenas 2 anos, recebeu cerca de meio milhão de euros de fundos públicos destas duas Câmaras Municipais para organizar touradas e largadas de touros, nomeadamente com o aluguer de touros de lide, apesar de não ser criador dos mesmos.

Os apoios da Câmara Municipal
Todos os anos a Câmara de Vila Franca de Xira apoia a empresa tauromáquica que gere a praça de touros com 12000 euros em publicidade institucional.
Em 2023 este contrato4 foi celebrado a 28 de Dezembro de 2023 com a empresa RACG de Ricardo Levesinho, que se comprometeu a colocar telas de publicidade da autarquia no edifício da praça de touros, a troco de 12 mil euros (mais IVA).
Em Março de 2023, a Câmara de Vila Franca de Xira celebrou outro contracto5 com este empresário para o "Aluguer de Toiros e Novilhos para os Eventos da Semana da Cultura Tauromáquica, Colete Encarnado e Feira Anual de Outubro de 2023 e 2024" no valor de 145490,00 € + IVA.
Já em Abril de 2021, tinha sido celebrado um contrato6 semelhante, com a mesma empresa, para o aluguer de toiros e novilhos para os eventos tauromáquicos de 2021 e 2022, no valor de 145490,00 €.
Além dos apoios à empresa que promove as touradas na praça de touros da Santa Casa da Misericórdia, a autarquia também suporta as obras de conservação do recinto.
Em Maio de 2023, a autarquia assinou um contracto, de ajuste directo, no valor de 13653€ (com IVA incluído) para a elaboração de um projecto para a realização de obras de melhoria das condições de acessibilidade à Praça de Touros Palha Blanco.
O contracto foi assinado com um gabinete de arquitectura (Ciratecna – Gabinete de Estudos e Projectos, Lda.) que se encarrega de elaborar um estudo prévio de arquitectura e arquitectura do espaço público, um estudo prévio das especialidades e o projecto de execução, além da assistência técnica à obra.

A escola de toureio
A "Associação da Escola de Toureio José Falcão" é uma associação sem fins lucrativos constituída a 13 de Março de 2007 e composta por 3 associados: o Município de Vila Franca de Xira, a Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira e o Clube Taurino Vilafranquense.
O financiamento da escola de toureio é feito pela Junta de Freguesia (6000 euros) e pela Câmara Municipal (60000 euros por ano).
Segundo o Plano de Actividades da Junta de Freguesia, a entidade dá ainda apoio logístico, administrativo e na prestação de alguma manutenção indispensável à conservação do espaço cedido à escola para a realização de aulas práticas às crianças: o tentadero do Cabo, que fica na margem do rio Tejo.
Segundo o anúncio publicado no Diário da República, esta associação tem por fim a "promoção do ensino da arte de tourear e a formação cívica e educacional dos seus alunos, contribuir para o desenvolvimento das actividades tauromáquica e taurina e divulgação da sua componente cultural, bem como defender e promover as tradições culturais e históricas das populações ligadas a essas actividades e contribuir para o desenvolvimento turístico do concelho".
No entanto, a escola ignora o facto da prática do toureio ser de alto risco e sujeita a acidentes graves e até mortais. Isto entra em claro conflito com o dever de proteger as crianças e jovens da violência e a promoção de "escolas de toureio" em Portugal já foi alvo de forte reprovação por parte do Comité dos Direitos da Criança da ONU.
A própria legislação portuguesa proibe expressamente a prática do toureio por menores de 16 anos, o que coloca estas "escolas" à margem da lei, mesmo sendo fortemente apoiadas por entidades públicas, como é o caso da escola de Vila Franca de Xira.





Outra entidade apoiada é a 
Casa dos Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, que possui uma sede no centro da cidade. Em 2023 o local foi palco de violentos confrontos com a PSP, depois de uma rixa durante as festas do Colete Encarnado, que envolveu dezenas de pessoas. Os agentes da PSP que se deslocaram à Casa dos Forcados para tentar pôr cobro à situação, foram agredidos.
Como forma de obter o reconhecimento da importância da tauromaquia no concelho, a Câmara de Vila Franca de Xira decidiu elaborar uma candidatura para a classificação das Festas do Colete Encarnado como Património Cultural Imaterial.
O apoio à tauromaquia não é consensual em Vila Franca de Xira e várias vozes se têm levantado no concelho contra esta actividade. Em 2018, o autarca da freguesia de Alverca e Sobralinho assumiu publicamente não autorizar mais touradas e garraiadas na freguesia.
Tal como noutros municípios, o decréscimo do interesse da população pelas touradas é compensado com um aumento dos apoios públicos à actividade. Apesar da crescente contestação e desinteresse da população de Vila Franca de Xira pela programação da praça de touros, as touradas vão sendo mantidas graças a um esquema de uso de fundos públicos para garantir a continuidade desta actividade.

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  1. Entrevista a Alberto Mesquita: https://toureio.pt/a-tauromaquia-e-muito-mais-do-que-apenas-uma-parte-da-nossa-historia-e-um-aspecto-profundamente-enraizado-na-nossa-cultura-diz-autarca-de-vila-franca-de-xira ↩︎
  2. Empresário Ricardo Levesinho na Palha Blanco até 2026: https://toureio.pt/empresario-ricardo-levesinho-na-palha-blanco-ate-2026 ↩︎
  3. A nossa equipa: https://tauroleve.pt/equipa ↩︎
  4. Contracto de publicidade: https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=10414614 ↩︎
  5. Aluguer de touros 2023 e 2024: https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9859260 ↩︎
  6. Aluguer de touros 2021 e 2022: https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=7622584 ↩︎

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Fonte: https://basta.pt/touradas-em-vila-franca-de-xira-toda-a-verdade/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR1jAAa0y-gvleAKu0lufkYmAfbyAi7SdjiYZZ0QTIFN97aEodxzOQTjENw_aem_ZmFrZWR1bW15MTZieXRlcw