sábado, março 13, 2021

FRANÇA - DIREITINHA JÁ COPIA DISCURSO DA ULTRA-DIREITA SOBRE O ISLAMO-ESQUERDISMO

Debate acalorado sobre o islamo-esquerdismo em França pode ser estratégia do actual presidente, Emmanuel Macron, para atrair eleitorado de Extrema-Direita nas próximas eleições presidenciais, diz especialista.
A pouco mais de um ano da corrida presidencial, França está tomada por um debate peculiar sobre o termo "islamo-esquerdismo".
De acordo com alguns ministros do gabinete do presidente Emmanuel Macron, o islamo-esquerdismo estaria a apoderar-se do sistema educacional francês.
Em Fevereiro, a ministra da Educação Superior, Frédérique Vidal, causou furor ao pedir uma investigação sobre pesquisas "islamo-esquerdistas" nas universidades, classificando a suposta abordagem de "não científica".
Para a ministra, professores estariam a usar universidades como espaço para promover movimento que une o islamismo radical à Extrema-Esquerda.
"É um termo difícil de entender [...] que foi apropriado pela Extrema-Direita como um espantalho", disse o professor do Sciences Po de Paris, Thomás de Barros.
"Numa entrevista caricatural, a ministra Vidal confirma a afirmação de que o 'islamo-esquerdismo' seria uma aliança entre aiatolá Khomeini e Mao Zedong", relatou o especialista brasileiro radicado em França.
Ambos já falecidos, aiatolá Khomeini foi o líder da Revolução Iraniana de 1979 e Mao Zedong, o líder da Revolução Comunista chinesa iniciada em 1945.
Mas não é só o islamo-esquerdismo que é alvo de críticas na França. Pesquisas sobre racismo e género, chamadas genericamente estudos interseccionais, também são temas delicados.
"Existe uma ideia em França chamada republicanismo [...] que defende uma igualdade radical entre os cidadãos. A ideia de que a nação francesa é uma e indivisível e que todos são iguais perante a lei, sem privilégios", explicou Barros. "Este imaginário está presente até hoje."
Segundo Barros, "este discurso diz que qualquer tentativa de agrupar as pessoas em subgrupos dentro da nação é um atentado à unidade nacional".
Logo, ao pesquisar problemas atinentes a grupos sociais desfavorecidos, como negros, mulheres e, no caso francês, árabes, os estudos interseccionais estariam a dividir a nação francesa.
"Ao contrário de países anglo-saxões ou mesmo do Brasil, a França rejeita políticas como a de quotas, seja racial ou de género, encarada como uma forma de segregar as pessoas", disse Barros.
Esta concepção é levada à risca no país: "Em França é proibido perguntar a cor da pele das pessoas no censo, por exemplo. Os pesquisadores não têm acesso a estas informações."
"No Brasil, com dados do IBGE ou do DIEESE, consegue-se saber qual a diferença salarial média entre um trabalhador branco e um trabalhador negro", explicou Barros. "Em França essa informação não existe."
Sem dados estatísticos, os académicos teriam dificuldades para abordar temas como guetização, discriminação de filhos de imigrantes de terceira geração e desigualdade de oportunidades.
"Os pesquisadores em França têm uma dificuldade de lidar com isso e, quando tentam, são acusados de islamo-esquerdismo", disse Barros.
Segundo ele, "a ideia de uma sociedade que fecharia os olhos às diferenças funcionava em alguma medida enquanto [França] era uma sociedade homogénea".
Depois da Segunda Guerra Mundial, França estimulou a vinda de trabalhadores das colónias – negros, árabes e povos da Indochina – para trabalhar na reconstrução, transformando-a numa sociedade mais plural", disse Barros.
Esta mudança de configuração social trouxe consigo temas como o racismo e a islamofobia para o debate político.
Esse debate é mais sensível ainda se considerarmos o histórico de ataques terroristas perpetrados na França.
"A França é o país do mundo ocidental que teve mais casos de ataques terroristas ligados a grupos fanáticos religiosos muçulmanos", lembrou Barros. "Então quando as pessoas dizem que existe racismo e islamofobia no país, são acusadas de se estarem a vitimizar, 'passando pano' aos terroristas."
Para ele, debruçar-se sobre as causas da discriminação contra grupos desfavorecidos não significa apoiar o terrorismo.
"Estudar processos de discriminação e achar que políticas reparatórias possam a ser importantes [...] não significa apoiar grupos fanáticos religiosos de qualquer natureza", disse Barros.
Eleições
O termo islamo-esquerdismo foi forjado pela primeira vez em França ainda na década de 90. O seu retorno ao debate público pode estar ligada à aproximação do processo eleitoral do país.
O actual presidente, Emmanuel Macron, considerado uma figura de Centro, deve enfrentar a líder da Extrema-Direita Marine Le Pen na corrida presidencial de 2022, repetindo cenário do último pleito, em 2017.
"As eleições estão polarizadas entre Macron e Marine Le Pen. Ele segue favorito, mas, se vencer, será por uma margem menor do que a obtida em 2017", acredita Barros.
Recentemente, os ministros da Educação Nacional, Jean-Michel Blanquer, a ministra da Educação Superior, Frédérique Vidal, e o ministro do Interior, Gérald Darmanin, fizeram declarações próximas das da Extrema-Direita.
Centralizador, o presidente Emmanuel Macron dificilmente teria sido apanhado de surpresa pela abordagem dos seus ministros, acredita Barros.
"Macron está a deixar este discurso rolar. Não demitiu ainda nenhum destes ministros. Parece-me então que é uma estratégia deliberada visando agradar os eleitores da Extrema-Direita", disse Barros.
Para o professor, a estratégia pode não só falhar em absorver eleitores de Le Pen, mas também afugentar eleitores mais à Esquerda.
"Não acredito que os eleitores da Marine Le Pen vão passar a votar em Macron por ele apoiar agora um discurso conservador ou de Extrema-Direita", disse Barros. "Por outro lado, as pesquisas mostram que uma parte importante do eleitorado de Esquerda está a dizer que não votaria nele."
Neste contexto, pode ser difícil que forças democratas e republicanas se unam em torno de um nome para barrar a Extrema-Direita francesa, como ocorreu nas eleições presidenciais de 2002 e 2017.
Acossado por um governo que teve dificuldades de realizar promessas de campanha, Macron pode estar a brincar com o fogo do extremismo para tentar manter o seu posto no Palácio do Eliseu.
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Fonte: https://br.sputniknews.com/opiniao/2021031217119796-islamoesquerdismo-na-franca-macron-adere-a-agenda-de-extrema-direita-para-derrotar-le-pen/?fbclid=IwAR32nwjG61TgdxeC0zXYwUhUVSMTnASOBtPA10X_5mbnXaiKLhcbVDzl9O8

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Democracia, a quanto obrigas...
É a mais autêntica opinião popular, a verdadeira opinião pública e não a opinião publicada, que produz isto: o maior confronto político num dos mais avançados e influentes países da Europa já não é entre Esquerda e Direita mas sim entre «Direitinha» e ULTRA-Direita. Quem fez isto foi o povo, só o povo, ninguém mais senão o povo, tão somente porque quem mais propuser medidas nacionalistas é quem mais ganha o apoio popular.
Constitui uma estúpida ironia que demasiados nacionalistas continuem a ser anti-democratas, é de não perceberem mesmo a real ponta de um corno sobre aquilo que realmente convém ao Nacionalismo.