SOBRE A CELEBRAÇÃO DO «SÃO» JOÃO ESTA NOITE
No dia de Santo António fomos à procura da sua origem. A professora Magda Pinheiro lançou-nos um cenário e ficámos a saber que o grande santo popular foi sempre São João. Até em Lisboa. O culto e as festas do santo lisboeta tal como as conhecemos hoje nasceram muito tardiamente, já nos anos 60, antes eram uma organização institucional que a Igreja levava a cabo para não perder terreno face aos republicanos anticlericais.
Quando surge a festa e quando se separa do culto?
O culto de Santo António já é um culto tardio na cidade, só se desenvolve no século XVI. O santo padroeiro de Lisboa é o São Vicente, os cultos mais antigos são os dos santos mártires e o de São Félix, anteriores à Reconquista. Mas o culto de Santo António existe associado às pestes que grassaram a cidade e deu origem a uma procissão importante. Agora a inserção do Santo António nos santos populares é bem mais complexa.
Por uma razão específica?
Sim. De facto o São João era muito mais referido em todas as fontes como santo popular no século XIX. Apesar de se falar dos tronos e dos altarzinhos do Santo António.
Mas havia o São João também em Lisboa?
Exacto. Os festejos existem quer no passeio público pombalino, quer, por exemplo, no Campo Grande. O São João tinha uma componente mais espontânea, com as fogueiras, enfim, era uma romaria muito importante. Estas romarias são uma tentativa de catolicizar cultos pré-romanos que estão associados à chegada do Verão. O Santo António insere-se aqui um bocadinho menos nitidamente.
E como é que nasce a festa?
É preciso pensar que no final do século XIX, como há uma progressiva reinvenção da nação com a valorização dos artesanatos populares e toda uma série de elementos que vão constituir aquilo a que hoje chamamos a identidade portuguesa, há também a valorização dos bairros que não foram reconstruídos depois do terramoto. Nascem os bairros tradicionais. E estas festas emergem. No fim do século XIX há na cidade uma forte tendência anticlerical e nesse contexto cria-se uma comissão de comemoração de Santo António.
O que fazia essa comissão?
Essa comissão tem como organizadores personagens importantes como a rainha que tenta demarcar o espaço público numa tentativa de devolver à Igreja o espaço que estava a perder. A festa realiza-se já com fogo de artifício e projecção de luz.
Como é que depois associamos o Santo António aos casamentos, às marchas, à festa na rua, às sardinhas e por fora?
Tudo isso vai ser realizado pelo Estado Novo, que não quer imponderáveis. São festas organizadas, com direito a concursos e um pouco distante da festa de massas de hoje e da espontaneidade. É nesse contexto que, em 1932, os olissipógrafos que são clericais não esquecem a necessidade de organização de um culto à volta de Santo António.
São essas as festas das colectividades?
Sim, elas desenvolvem-se em pequenas comunidades e nascem as primeiras festas institucionalizadas com desfiles de marchas. Mas isso não exclui que continue a haver os tronos e as sardinhas. A institucionalização das festas é muito mal vista pela intelectualidade de esquerda e será muito mal vista até aos anos 60.
A seguir ao 25 de Abril há nova ruptura?
O que acontece é que colectividades que não costumavam participar começam a fazê-lo e nasce uma nova maneira da festa se implantar na cidade.
Já com toda a gente na rua, com a cerveja, a sangria, o vinho e as célebres sardinhas, a festa pura e dura que hoje conhecemos?
Sim, mas essa festa que descreve penso que começa a fundar-se no final dos anos 60 e é nessa altura que o São João morre completamente.
Passa definitivamente para o Porto?
A componente de festa de Lisboa é mais cosmopolita do que a do Porto. E, por outro lado, há um bairrismo mais afirmativo.
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Fonte: http://www.imissio.net/v2/noticias/o-santo-antonio-de-hoje-nasceu-nos-anos-60:3404 (Artigo originariamente redigido sob o acordo ortográfico de 1990 mas corrigido aqui à luz da ortografia portuguesa.)
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Diz Teófilo Braga, na obra «O Povo Português Nos Seus Costumes, Crenças e Tradições», volume II, página 211 e seguintes:
«A festa de São João Baptista em todos os povos europeus está ligada a um fenómeno astronómico, o solstício do Verão, em 24 de Junho. O célebre ritualista Guilherme Durandus, interpretando alegoricamente a festa do Precursor, não pode ocultar o seu sentido mítico: "Faz-se girar uma roda, em certas localidades, para assim designar que o Sol não se pode elevar mais, mas torna a descer no seu círculo, assim também a fama de São João, que era olhado como um Cristo, diminuiu quando este apareceu. Alguns dizem que é porque neste tempo os dias minguam, e que crescem de novo no Natal de Jesus Cristo..."»
Ou seja, uma forma de diminuir o prestígio do Sol perante o Judeu Morto, primeiro substituindo-O por um sucedâneo («São João») e depois «integrando» na religião do Deus oriental os rituais que ao Sol são devidos. A isto se chama «cristianização».
Não é por acaso que, conforme se lê na obra «Os Solstícios - História e Actualidade», o próprio Justino o Mártir, um dos doutores da Igreja, regista que «os cristãos usurparam o dia do Sol», e que o dia da semana sagrado dos cristãos, o domingo (de «Dominus», «Senhor»), é na tradição pagã ocidental consagrado ao Sol, «Dies Solis» (que os Ingleses conservam no seu «Sunday» e os Alemães no seu «Sontag», entre outros...). Não é igualmente por acaso que o dia mais festejado da Cristandade, o Natal, coincide mais coisa menos coisa com o outro solstício, o de Inverno. Talvez porque o culto solar foi por assim uma das últimas «frentes de combate» pagãs contra o Cristianismo, e porque o primeiro imperador cristão, ou cristianizado, Constantino, era pouco antes, e se calhar ao mesmo tempo, um adorador do Sol...
Claro que durante muito tempo a Igreja tentou proibir a celebração do solstício de Verão, antes de a tentar absorver, isto é, cristianizar... Duas fontes para cada uma das duas asserções:
- no século VI, o bispo de Árles proibiu num sermão o «banharem-se nas fontes, nos pântanos e nos rios na noite de S. João e na madrugada do dia seguinte» porque tal «costume nefasto ressuscita o Paganismo»;
- no século VII, uma obra que circulou em todas as dioceses de França dizia, entre outras coisas, que o fogo de S. João é «a marca do regozijo por S. João» e que teve o seu início nos primeiros séculos do Cristianismo, quando «S. Bernardo testemunha que era mesmo praticado entre os pagãos.»
Significa isto que em não conseguindo extirpar de vez a celebração pagã, tentou apoderar-se dela, dirigindo-a, «domesticando-a», de forma a «controlar os abusos», que eram, não apenas os excessos festivos naturais, mas também as «superstições» pagãs que não pudessem ser «transformadas».
Continuando, novamente com Teófilo Braga...
«É justamente uma tal concepção primitiva que faz com que a festa do solstício de Verão seja comum a todos os Povos indo-europeus, e ainda aos Povos semitas; o fenómeno é diversamente dramatizado, mas entre os povos europeus toma a expressão de um Combate de Verão expulsando o Inverno (24 de Junho), ou a sua inversa, a expulsão do Verão pelo Inverno (24 de Dezembro). (...) nos antigos prazos portugueses notou João Pedro Ribeiro, que o ano era sempre contado de São João a São João, e no Alvará de 1 de Julho de 1774, chamou-se-lhe ano irregular. (...) entre os povos eslavos é onde se apresenta mais completo, correspondendo muitas das suas particularidades a costumes portugueses (...). Por um documento da Câmara de Coimbra, de 1464, citado por Viterbo, se nota a forma de combate: "cavalhada na véspera de São João com sina e bestas muares". Em outros povos, esta cavalgada ficou simplesmente lendária, na Mesnie Furieuse, que tanto se localiza no solstício diurno (circa horam medirianam) como no solstício vernal. (...) Nos costumes provinciais conservam-se quase todas as formas dramáticas desta antiquíssima festa solsticial.
(...)
Na Beira Alta acende-se um facho no cimo dos montes (o galheiro) ou na ceira das azenhas (a roda, que ainda na Alemanha se deixa rolar dos montes). O facho, como escreve Leite de Vasconcelos, é um pouco de lenha em volta de um pau alto. Os rapazes que o vão acender levam músicas de tambores e pífaros, e grandes algazarras. O monte é além disto cercado de pinhas acesas.»
Nos Açores, fazem-se as fogueiras na rua, e os rapazes saltam por cima das labaredas; o mesmo no Algarve e no Alentejo.»
E, como todos sabem, o mesmo se faz um pouco por toda a Europa nesta data - o salto dos jovens por cima das fogueiras, para dar força e saúde, boa sorte, etc..
Tudo isto só ajuda ao tom despreocupado e livre dos folguedos da data, que é isso que interessa. É pela noite dentro, cambada. Força nos Martelos.
É aliás curioso que o martelo se tenha tornado parte da tradição desta celebração. Consta que assim se estabeleceu nos anos sessenta. Mais do que isso não encontrei. Fico-me por salientar que em Roma e eventualmente no mundo céltico continental antigo, mais concretamente na Gália, realizava-se na altura do solstício a celebração de uma Divindade da tempestade, Sumano em Roma e, possivelmente, Taranis na Gália. Noutros pontos da Europa, mais concretamente no norte germânico e no leste balto-eslavo, o Deus do Trovão tem como arma/símbolo um martelo. Não é impossível que também no oeste europeu houvesse essa identificação. Verifica-se pelo menos que na Irlanda céltica (a área ocidental não latina mais bem conhecida nas suas tradições míticas) uma das maiores Divindades, o polivalente Dagda, sábio, fertilizador e bélico, tem como arma uma imensa clava, além de ter também um gigantesco pénis, a arrastar pelo chão. Na Gália, uma das Divindades mais adoradas seria Sucellos, o «Bom Batedor» (batedor, que bate), representado com um martelo. Ora no norte galaico, mais concretamente no sopé do monte Larouco, foi encontrada numa igreja uma imagem do que se presume ser uma Divindade do Raio, ou da Montanha, que possui, além de um gigantesco pénis, também um martelo de duas extremidades iguais, como aqui se observou: http://gladio.blogspot.pt/2012/11/a-cara-do-deus-do-raio-deste-extremo.html
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