segunda-feira, outubro 31, 2016

ANTES DO HALLOWEEN, ERA O «PÃO POR DEUS» EM PORTUGAL... E MUITO ANTES ERA O COCO...

Se um grupo de miúdos lhe bater à porta, a cantarolar “Bolinhos, Bolinhós, para mim para vós”, não estranhe. O dia 1 de Novembro também é, por tradição, dia de lhes encher os sacos com guloseimas.
Bolinhos e bolinhós/Para mim e para vós./Para dar aos finados/Qu'estão mortos, enterrados./À porta da bela cruz/Truz! Truz! Truz!/ A senhora que está lá dentro/Assentada num banquinho./Faz favor de s'alevantar/P’ra vir dar um tostãozinho.”
A cantilena é antiga e quem a decorou espera receber em troca alguma coisa e agradecer dizendo: “Esta casa cheira a broa/Aqui mora gente boa./Esta casa cheira a vinho/Aqui mora algum santinho”. Debaixo da língua traz mais uns versos, apropriados para responder aos que nem chegam a abrir-lhe a porta: “Esta casa cheira a alho/Aqui mora algum espantalho./Esta casa cheira a unto/Aqui mora algum defunto”.
Reza a história que o Pão por Deus tem raízes num ritual pagão do século XV que foi cimentado um ano depois do terramoto de 1755. Nesse dia 1 de Novembro, a população mais pobre de Lisboa terá aproveitado para sair às ruas e bater à porta dos mais afortunados, e, assim, mitigar um pouco a fome.
A tradição manteve-se ao logo dos tempos, sobretudo fora das grandes cidades, e com duas alterações significativas. O “peditório” passou a ser feito apenas por crianças, e, em vez de pão, os donos das casas dão hoje bolinhos, romãs e frutos secos (em Trás-os-montes, por exemplo) ou doces e guloseimas. Para gáudio de uns poucos, também há quem dê dinheiro.
Por isso, já sabe: se um grupo de miúdos lhe bater à porta este domingo, exija-lhes que façam como deve ser. Cantarolando os versos do início deste artigo ou, a bem da tradição, que digam pelo menos: “Pão por Deus/Fiel de Deus./Bolinho no saco/Andai com Deus.”
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Fonte: http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2015-10-31-Antes-do-Halloween-era-o-Pao-por-Deus   (Artigo originariamente redigido sob o acordo ortográfico de 1990 mas corrigido aqui à luz da ortografia portuguesa.)

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O artigo é útil, porque pelo menos mostra que a tradição do Primeiro de Novembro já vem de há uns séculos, mas há muito mais para dizer, olá se há... afinal, a própria abóbora luminosa já era feita em Portugal muito antes de ser «inventada» na América e pode ter raiz no culto de uma Divindade eventualmente céltica ou proto-céltica, adorada pelos antigos Lusitanos e Galaicos: 

«(...) Segundo Rafael Loureiro, a tradição de esculpir abóboras com rostos é uma tradição milenar na Península Ibérica que remonta ao tempo dos celtiberos[34], um costume parecido ao que Diodoro Sículo atribuía aos guerreiros Iberos na batalha de Selinunte em 469 a.C., que penduravam nas lanças as cabeças dos inimigos[35].
"O costume outonal e infantil de esvaziar abóboras e talhar na sua casca olhos, nariz e boca buscando uma expressão tétrica, longe de ser uma tradição importada por um recente mimetismo cultural americanizante, é um rasgo cultural antiquíssimo na Península Ibérica" ~ Rafael Loureiro
Esta tradição estaria ainda relacionada com o culto celta das "cabeças cortadas" na península Ibérica [36][37]
(...)
Rafael Bluteau, no primeiro dicionário da língua portuguesa o Vocabulario Portuguez e Latino (1712) define o coco e a coca como caveiras:
“O Coco ou a Coca. Usamos destas palavras, para pôr medo aos meninos, porque a segunda casca do Coco tem na sua superfície três buracos com feição de caveira.“[39]
Na primeira metade do século XX a coca era parte integrante de festejos como o do Dia de Finados ou o peditório ritual do Pão-por-Deus. O Pão-por-Deus, já mencionado no século XV,[40] é um peditório ritual feito por crianças, embora antigamente participassem também os pobres, feito com o fim de partilhar o pão ou guloseimas com as alminhas queridas, os defuntos da comunidade, que eram aguardados ansiosamente e chegavam de noite em forma de borboletas ou pequenos animais. (...)
O mito do Coco teve origem em Portugal e na Galiza. Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola[2], “el coco” (também chamado de “el cuco” na América Latina) teve origem no fantasma português: “(Del port. côco, fantasma que lleva una calabaza vacía, a modo de cabeza). Fantasma con que se mete miedo a los niños”[3]. A palavra coco é usada em linguagem coloquial para significar a cabeça humana em português e espanhol.[4] Coco também significa crânio.[5] A palavra "cocuruto" em português significa a coroa da cabeça e o lugar mais alto.[6] "Gogo" em basco significa espírito.[7][8] Na Galiza "crouca" significa cabeça,[9][10][11] deriva do proto-celta *krowkā-,[12] e tem a variante "croca";[13] e quer coco ou coca também significam cabeça.[14] São cognatos o córnico "crogen" que significa crânio,[15] o bretão "krogen ar penn" que significa crânio,[16][17] e o irlandês "clocan" que também significa crânio.[18]

Na mitologia Calaico-Lusitana Crouga (do proto-celta *krowkā-) é o nome de uma divindade ainda com contornos obscuros,[19][20] a quem são feitas oferendas, no entanto na inscrição de Ginzo de Limia é a Crouga que é oferecida.[21](...)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Coca_(folclore)

O equivalente irlandês a Crouga pode bem ser o menos desconhecido Crom Cruaich, ao Qual se sacrificavam crianças, ou seja, «comia crianças», tal como a Coca...
Hoje pode-se-Lhe oferecer uma cabeça de abóbora, que vem mais a calhar com os hábitos e escrúpulos da época...