segunda-feira, agosto 03, 2015

A VISÃO DO PNR DA SEGUNDA QUINZENA DE JULHO DE 2015 EM PORTUGAL

> Perdulários | A privatização da CP Carga, cujas locomotivas estão avaliadas em 130 milhões de euros, foi feita por 50 milhões. Em simultâneo, muitos dos valiosíssimos painéis de azulejos foram roubados das estações de caminho-de-ferro entretanto desactivadas. Porém, com quase tudo vendido, a dívida do Estado aumenta e o poder de compra diminui. O regime anda à deriva entre extremos ideológicos, tendo passado das nacionalizações cegas às privatizações radicais no espaço de apenas uma geração. Trata-se, em qualquer dos casos, da liquidação deliberada da capacidade produtiva portuguesa, reduzindo-a à sua mais básica expressão: o Turismo. Do mesmo modo, a Empresa Geral de Fomento, responsável pelo tratamento de resíduos urbanos, foi vendida à Mota-Engil. Na verdade, é a própria Autoridade da Concorrência a dar cobertura à violação das regras básicas de concorrência, em prejuízo do interesse público. Importam os factos, não as intenções. No final deste processo, emergirão uma dezena de monopólios com controlo sobre todos os aspectos da vida em sociedade, condicionando a livre concorrência empresarial, o investimento, toda a economia e a própria iniciativa individual.
> Deficientes desamparados | A Associação Portuguesa de Deficientes, pela voz da sua presidente, Ana Sesudo, enunciou um conjunto de impedimentos que condicionam a acessibilidade a muitas das mesas de voto. É inadmissível. Do mesmo modo, Salvador Almeida, da Associação Salvador, referiu a situação de desamparo material e de exclusão em que se encontra a maioria destes cidadãos. Aliás, a sociedade portuguesa, toda ela – com excepção da minoria do costume -, está sujeita a constrangimentos e limitações de toda a espécie, a privações e carências de todo o tipo, desde a nascença à terceira idade. A falta de acesso à saúde, à educação e à justiça, a falta de emprego, enfim, a falta de qualidade de vida, são também formas de exclusão. Já o dissemos: em Portugal, nove em cada dez cidadãos portadores de deficiência com aptidões profissionais estão em situação de desemprego. São números avassaladores. Recordamos ainda que, em 2006, o então Ministro das Finanças do PS, Teixeira dos Santos, foi o responsável pelo corte de benefícios fiscais a cidadãos portadores de deficiência, uma das poucas protecções sociais que estes ainda tinham. De igual forma, Agostinho Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, revelou por estes dias que a sua instituição nunca recebeu tantos pedidos de ajuda em Portugal, contrariando a propaganda do Governo e as suas estatísticas. Em 2015, mais de um terço dos internados nos hospitais portugueses estavam sub-nutridos. Em 2015, de acordo com a Deco, dois em cada três idosos não conseguiam pagar a mensalidade do lar. Tudo isto são sinais alarmantes de desagregação social e características que configuram um regime negligente para com o seu próprio povo.
> Sufoco | O sector da restauração e hotelaria, segundo a sua associação representativa, atravessa o período mais difícil de sempre. O sector perdeu no último semestre 50 mil empregos. “Catástrofe e massacre” são termos usados para descrever o momento difícil que atravessa. Isto só nos permite concluir que este turismo de massas, afinal não é solução para a economia. A taxa do IVA no valor mais alto não explica por si só o declínio. Aliás, o IVA pago pelas famílias referente à energia, aos combustíveis, ao gás, à água e aos medicamentos também está nos 23%. A falta de equidade fiscal, em conjunto com a corrupção e a burocracia, comprometem seriamente o funcionamento natural da economia, ao sujeitá-la a bloqueios artificiais, que podem e devem ser suprimidos.
> Não à chantagem! | Prestes a terminar o mandato, o Presidente da República fez uma comunicação ao país na qual marcou a data das Eleições Legislativas para 4 de Outubro. Cavaco Silva recorreu mais uma vez à estratégia do medo face a propostas de governação alternativa. A perspectiva de virem a público novos casos de corrupção associados à facção dos negócios políticos do centro-direita é motivo suficiente para o ponto essencial da mensagem ter sido a tentativa de manter a situação a todo o custo. Com isto, Cavaco Silva quer condicionar os próprios eleitores. Portugal vê-se assim acorrentado a esta política geral de condicionamento, na economia, na sociedade, na produção e, agora, no livre exercício do voto. Lembramos que, a partir de 9 de Setembro o PR deixa de ter poder efectivo; como pode então, de forma legal, ter instrumentos para tutelar a formação do novo Governo? De qualquer forma, escolher entre PSD/CDS-PP, ou PS, não é uma escolha entre o certo e o errado. Não é escolha sequer: é mais uma imposição. De um lado, a demagogia, do outro, a hipocrisia. Que perspectiva de futuro é esta? Achar que a solução para o país continua nas mãos dos mesmos partidos e governos que o destruíram, é muito triste. A quebra drástica na natalidade é um sério aviso, é um sintoma da descrença no futuro enquanto permanecer este modelo social, este sistema económico, este regime político. Concluindo: necessitamos de um Governo estável, é certo, mas credível. Face ao descalabro da direita e ao falhanço histórico da esquerda, cujos dogmas colocaram quase meio mundo na miséria há algumas décadas atrás, a única alternativa é o nacionalismo com os pés assentes no presente e virado para o futuro, ou seja, o Nacionalismo Renovador.
> (Con)gestão Municipal | O Secretário de Estado da Administração Local, António Leitão Amaro, avançou com um suposto modelo de transferência de poderes para as autarquias. O programa tem um carácter laboratorial, aplicado em apenas 34 dos 308 municípios existentes em Portugal, não tendo a ver com a realidade de cada concelho, mas sim com a adequação das suas infra-estruturas e instituições a este modelo de concentração neo-liberal. Desde logo, Saúde e Educação, por exemplo, são questões nacionais e exigem a existência de um regime geral, que atenda às especificidades locais. Numa primeira análise da medida, é notória a violação do princípio da autonomia municipal. Desconhecemos quais os critérios ou objectivos de tudo isto, mas concluímos que, em vez de uma descentralização, estamos a assistir a uma concentração. Modelos diferentes só podem gerar confusão. Está pois aberto o caminho para o fim do princípio da subsidiariedade, para a desorganização territorial e administrativa. O Governo e a Administração Central estão a transferir responsabilidades sem a correspondente reestruturação e compensação financeira. A descentralização é um meio e não um fim. E não há descentralização nenhuma quando são retiradas competências aos municípios, ou se estes são sobrecarregados com outras. Estes especialistas na subversão lançam agora a confusão sobre a gestão municipal. Não podemos esquecer que, excepto num restrito grupo de cidades, o resto do país não tem transportes públicos municipais dignos desse nome. Por outro lado, a concessão a privados das águas, saneamento e resíduos, despoja as autarquias de valiosos recursos financeiros e de gestão estratégica. Um exemplo das contradições que este modelo gera: Baião tem bons hotéis, mas não tem médicos. A organização política portuguesa, desde sempre assenta no municipalismo, que assim é desvirtuado. Nesta matéria de descentralização e reforço do poder local, importa sobretudo a optimização dos recursos e dos meios, a operacionalidade e a logística das infraestruturas, a especialização dos concelhos, tudo isto envolvido pelo princípio da complementaridade.
> “Manobras” financeiras… | Por estes dias, o Supremo Tribunal de Justiça decretou a nulidade de um contrato swap negociado pelo Banco Santander Totta. A sentença, assim se espera, deve criar jurisprudência e abrir caminho para próximas renúncias a tais contratos-burla. Não só os particulares lesados, mas também o Estado devem avançar nesse sentido. Ainda está por apurar e recuperar o montante real perdido com estas operações financeiras, bem como falta chamar à responsabilidade os autores de tais desmandos, todos eles nomeados por Governos. Muitos destes contratos de empréstimo contraídos pelos Governos à revelia do Direito, não estão apenas feridos de legalidade, mas sobretudo carecem de legitimidade. Os cidadãos não podem jamais ser responsabilizados nem prejudicados por dívidas que não são suas. Tão a propósito, soubemos agora que um assessor de João Almeida e Filipe Lobo d’Ávila (elementos do CDS-PP ligados à administração interna neste Governo) era o cabecilha de um esquema piramidal ao estilo Dona Branca. É mesmo muito mau, quando este tipo de exemplo vem de cima. De facto, o que falta a este país são gestores competentes na Administração e não comissários políticos mais próprios de outro tipo de regimes caídos em desgraça. O erário público está capturado pelo sector financeiro privado, as poupanças não possibilitam aos depositantes um rendimento razoável, o número de produtos financeiros no mercado assume proporções desmesuradas. A injecção de capitais estatais na banca tem sido um desastre sem fim à vista. Quantos milhares de milhões se esbanjaram no BPN, no BES, quando a sustentabilidade da Segurança Social depende apenas de um valor na ordem dos dois mil milhões de euros… Alguns dados a ter em atenção: 5% do PIB são só para pagar os juros, num montante de 4 mil milhões de euros só de Abril para Maio. Portugal paga, em média, 2,5% de juros e a Espanha 0,2%. Enquanto isso, o BPI de Fernando Ulrich, depois de ter despedido 1800 trabalhadores nos últimos três anos, regressou aos lucros.
>… e números forjados | Mais um relatório do Tribunal de Contas vem demonstrar a sistemática manipulação das contas e dos resultados feita pelos sucessivos Governos. Esta é a prática institucionalizada. A política transformou-se assim num mero exercício de relações públicas, baseada em publicidade enganosa. Isto está tipificado como crime. Ao mesmo tempo, surgem suspeitas sobre a legalidade da aquisição de veículos alemães para a Factura da Sorte, o famigerado concurso promovido por este Governo, pois o Tribunal de Contas detectou um desvio de 6 milhões de euros para pagar o IVA da sua compra. Não podemos esquecer que se trata do mesmo Governo que forçou a passagem de leis claramente inconstitucionais. O mesmo Governo com que a reforma do Estado se resumiu à destruição do Estado na sua função social. Esta divisão conveniente, mas forçada, entre Estado e Estado Social, é desde logo uma subversão. O Estado é, por natureza, social, sendo essa uma das suas funções essenciais. Os sucessivos Governos, sabemos desde sempre, praticam a subversão a partir do aparelho de Estado. Isto é altamente problemático. Denuncia também o Tribunal de Contas: continuam as consultadorias externas a escritórios de ex-ministros, secretários de Estado ou deputados, em benefício próprio. Vivemos pois numa “democracia” que transforma actos políticos censuráveis e mesmo criminosos em grandes feitos de governação!
> Incêndios | O estudo do Instituto de Conservação da Natureza revela uma realidade cinzenta. Entramos em Agosto, e o ano de 2015 regista já valores de incêndios florestais e área ardida acima da média dos últimos 10 anos: 24 mil hectares arderam desde o início do ano. Só o catastrófico ano de 2005 supera estes valores. O distrito de Viana do Castelo é o que regista maior área ardida. No distrito do Porto registaram-se uns inacreditáveis 1800 incêndios de menor dimensão.
> Acidentes | Trágico é igualmente o número de acidentes de trabalho que todos os anos ocorrem. O número aumenta, mesmo com a diminuição do volume de obras na construção civil, que é sector com maior incidência de casos. Quanto a vítimas de acidentes de viação, nas últimas décadas, os números totais, entre mortos, feridos e traumatizados ascende a dez vezes mais do que o valor das baixas do Exército português na Guerra Ultramarina!
> Portugal vai morrendo… | Os dados mais recentes confirmam a evidência: Portugal é o segundo país da UE com maior número de emigrantes, cerca de 2,5 milhões só na Europa. A população portuguesa diminui drasticamente, ou é substituída. Só enfermeiros, de que há tanta necessidade, emigraram 1500 nesta legislatura, a que não está alheio o facto de o Ministério da Saúde contratar estes profissionais altamente especializados a 3,5 euros à hora. O mesmo se passa com engenheiros, arquitectos, informáticos, operários e técnicos especializados, forçados a deixar o país que os condena ao desemprego, à exploração e a salários de miséria. Todos os anos, quase 40 mil professores não obtêm colocação nas escolas. Com tanto desperdício de talento e competência, Portugal continua pois a ser o país da UE com menor índice de formação universitária entre a população activa. Apenas um trabalhador em cada quatro possui formação superior. Em matéria de qualificação e promoção dos recursos humanos, o esforço das famílias em formar os seus filhos é assim desperdiçado, pois muitos deles vão gerar riqueza para outros países. A Administração Pública deixou inclusive de recrutar profissionais na área das Ciências Sociais. Isto vai revelar-se um erro crasso no futuro. Por outro lado, o abandono escolar é preocupante, pois mais de metade dos jovens que terminam o secundário não seguem para o ensino superior devido a carências financeiras. O reitor da Universidade de Aveiro, ao mesmo tempo, não deixou de alertar para as consequências nefastas desta tendência desmoralizadora dos benefícios da educação e da formação profissional. Afinal, foi este mesmo regime político que, há pouco tempo atrás, tentou cancelar os prémios de mérito de 500 euros atribuídos aos melhores alunos do ensino secundário, num dos episódios mais degradantes deste Estado a que chegamos.
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Fonte: http://www.pnr.pt/apontamento-do-quotidiano/cronicas-de-um-regime-putrefacto-9/