«OS VINGADORES»

Um filme jeitosito, este dos Vingadores. Como seria de esperar na actualidade, os efeitos especiais são irrepreensíveis e devidamente ribombantes, apesar dos lugar-comuns da espectacularidade, aqui e ali. O enredo não é especialmente rico mas serve, a interpretação é adequada, o número de caras bonitas não está mau - e, para os apreciadores do género de super-heróis, não há dúvida de que a semelhança entre as imagens do filme e as da banda desenhada é rigorosa - até no pormenor das vidraças da ponte de comando do espampanante porta-aviões aéreo da S.H.I.E.L.D., que é assim uma espécie de C.I.A....
A politiquice correcta anti-racista e «antifa» quase nem está presente, exceptuando o facto de o herói Nick Fury ser agora um negro, mas pronto, como o vilão do Demolidor também negro era, a coisa fica mais ou menos quite em termos de películas da Marvel... e depois também umas referências indirectas e primárias ao Nacional-Socialismo, mas coisa pouca e leve... e não para defender o universalismo mas sim a Liberdade, o que nem é mau de todo. Neste contexto há também uma pequenita demonização da elite anónima que alegadamente controla as forças norte-americanas - mostrando talvez que a Liberdade é para ser defendida não apenas contra inimigos externos mas também contra inimigos internos. Como disse alguém, e bem, o preço da Democracia é a eterna vigilância, pois que, como dizia Acton, o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, ou, mais popularmente falando, a ocasião faz o ladrão... Não se espere, de resto, grande elaboração e profundidade ideológica num filme americano de entretenimento para as massas, não é nesse campeonato que a coisa joga nem é essa a sua pretensão.

O que entretanto não deixa de irritar um bocadito é a costumaz americanice de arranjar um vilão com sotaque inglês. Claro que se justifica no caso pelo facto de a personagem em causa ser uma Divindade nórdica, Loki, que não poderia efectivamente falar como um americano sem perder por completo o «elan» divinizante; mas é curioso que o papel do irmão, Thor, um dos heróis, seja interpretado, não por um inglês, mas sim por um australiano, até parece é só mesmo para não ser um inglês...

Minudências à parte, o filme satifaz relativamente, embora para o final piore ligeiramente. Quem aprecia o estilo não fica de qualquer modo decepcionado, na generalidade. «Hawkeye» (ou «Gavião Arqueiro», na versão brasileira da Abril nos anos oitenta...) é bem menos ridículo no filme do que na banda desenhada, a Viúva Negra consegue aquela mistura de sensualidade com mistério vagamente culpado e amazonice elegante, o sarcasmo irreverente de Tony Stark cai pouquíssimas vezes na parvoíce, e toda a maquinaria e mais o cubo cósmico, ou «tesseract», brilham que se fartam. Como é da praxe, também desta vez aparece como figurante o famoso Stan Lee,  o velhote que recriou a Marvel, depois de lhe mudar o nome no dealbar dos anos sessenta, e criou, ou ajudou a criar, os principais super-heróis da editora, o que faz dele a maior figura de toda a banda desenhada do género. É daqueles sujeitos que parece ter tido uma inverosímil dose de sorte na vida. O judeu Lee, aliás, Stanley Martin Lieber, cuja esposa era filha do dono da editora (então chamada Timely Comics), Lee, que só inventou o pseudónimo pelo qual é conhecido porque não queria comprometer o seu nome com uma coisa que desprezava como a b.d., porque queria ser um escritor «a sério», haveria cinquenta anos mais tarde de aparecer nos mundialmente bem sucedidos filmes das suas bombasticamente bem sucedidas criações (um bocado plagiadas, se calhar, num ponto ou noutro).

No prólogo, que é para quem se deixar ficar pacientemente alapado pouco depois do fim, faz a sua primeira aparição cinematográfica o titânico e alucinado Thanos, um dos mais carismáticos vilões das histórias aos quadradinhos, megalomaníaco e cósmico amante da Morte. Bom para os apreciadores de b.d., relembro o aviso/recomendação.