COMUNICADO DO GRUPO DOS AMIGOS DE OLIVENÇA
Grupo dos Amigos de Olivença
www.olivenca.org
Divulgação 03-2005
EXPRESSO, 25-03-2005
Mónica Contreras
«CONTRA OLIVENZA»
Um grupo de portugueses mantém vivo o lema 'Olivença é nossa', apesar da
indiferença de quem lá vive.
Ramón Rocha: O alcaide não tem dúvidas sobre a soberania espanhola
«Acusam-nos de sermos lunáticos, tontos, mas esquecem que o fundador do
Grupo de Amigos de Olivença (GAO) era oliventino», desabafa Paulo
Fernandes, futuro licenciado em gestão, de 29 anos, um dos 700 sócios do
Grupo. António Marques, da direcção do GAO, mostra-se siderado com o número
de portugueses que desconhecem a questão de Olivença. «Mas todos conhecem o
problema de Gibraltar, que opõe espanhóis e ingleses há 300 anos», lamenta.
«Tudo isto é anedótico», contesta, por seu lado, um oliventino de gema,
Gregório Torres Gallego, que, na espiral de publicações sobre o tema
surgidos de um lado e do outro da fronteira, se viu forçado a estudá-lo e a
editar mais uma Historia de Olivenza.
Quem entra em Olivença através de Elvas, pela ponte nova da Ajuda -
inaugurada em 2000 e construída apenas com dinheiros portugueses - não
percebe que continua, segundo a posição oficial portuguesa, em terras lusas.
Mesmo antes de se confrontar com a placa azul onde se lê «Espanha», logo no
fim da ponte que atravessa o Guadiana, o visitante recebe as boas-vindas
das operadoras espanholas de telemóveis. Chega ao centro da cidade e
respira-se Espanha, apesar da proximidade da fronteira. O pessoal dos cafés
e os empregados dos restaurantes, onde se servem as típicas tapas do país
vizinho, as crianças que brincam nas ruas, as mulheres que trocam dois
dedos de conversa a caminho de casa, os homens que se juntam na praça
principal para passar o tempo - todos falam castelhano. Os toldos das lojas
e o anúncio das «fiestas» apresentam-se na língua de Cervantes. E até as
ruas têm nomes castelhanos. «Isto foi tudo castelhanizado. O apelido Vieira
passou a Viera, o Gonçalves a Gonzales, e por aí fora», frisa Carlos Luna,
do GAO. «A mudança de toponímia foi um dos instrumentos para apagar o
passado», acusa.
«Temos duas mães»
Mas uma visita pelo «casco viejo» (a zona antiga) revela uma vontade de
manter viva a História. Em declarações ao EXPRESSO, o alcaide de Olivenza
diz que foram gastos milhões na recuperação dos monumentos herdados dos
portugueses. «Temos duas mães, duas culturas. Por isso, tanto as crianças
como os universitários aprendem o português. Não renegamos o passado», diz,
peremptório Ramón Rocha Maqueda, à frente dos destinos de Olivenza desde
1979.
«Temos quase cem portugueses a viver e trabalhar no concelho». O alcaide
anuncia o número com vaidade, depois de um telefonema para a secretária, a
quem pergunta: «Além do teu marido, quantos portugueses temos aqui?»
O autarca não tem dúvidas sobre a soberania espanhola de Olivença. E, para
as reforçar, anuncia: «Até ao final do ano, terminaremos as obras de
recuperação na metade (espanhola) da ponte velha. Os portugueses, se
quiserem, que deixem a sua parte com está, em ruínas».
«A restauração da ponte significa que foi recuperado entre os dois lados do
Guadiana algo que estava rasgado», defende Gregório Torres Gallego, para
quem a questão de Olivença não tem sentido - entre outros motivos, porque
Portugal, desde meados do séc. XIX, nunca fez nada para reivindicar a
devolução da cidade. Esta tese, que pode ser sintetizada no ditado «quem
cala, consente», é também defendida na obra La cuestión de Olivenza a la
luz del derecho internacional publico, editada o ano passado, por Carlos
Fernández Liesa, um catedrático de Direito Internacional.
«Eles não podem restaurar a ponte porque é património nacional», frisa
Carlos Luna, um descendente de bascos e de oliventinos, que sente todas as
iniciativas espanholas como tentativas para apagar a presença portuguesa em
Olivença. Dá-se, por isso, ao trabalho de produzir constantemente
instrumentos de divulgação da cultura e história portuguesas. Isto porque,
alega, as crianças da margem esquerda do Guadiana aprendem que Olivença
ficou sob tutela espanhola devido ao dote de uma princesa ou em troca de
Campo Maior. O próprio alcaide afirma que, depois da invasão do Alentejo,
Espanha devolveu «o que não interessava» e ficou com Olivença.
Cerca de 400 oliventinos, numa população de 11 mil habitantes, já ouviram
os originais de Zeca Afonso, Vitorino, António Barroso e Delfins. Tudo
graças a Carlos Luna, que, pela calada da noite e quase como que numa
actividade clandestina, oferece aos jovens de Olivença cassetes em
português, com música ou com a história de Olivença. «As pessoas têm medo
de ser vistas connosco», diz. As cassetes reproduzem também a voz de Luna,
lendo textos de iniciação ao espanhol traduzidos para português.
«Muy pesados»
Mas será que o interesse pelas raízes históricas pode ir além da mera
curiosidade? Afinal, os oliventinos têm, bem perto de casa, hospitais,
escolas, uma universidade, comércio. Ganham salários mínimos superiores ao
português e pagam a gasolina mais barata do que em Portugal.
«Achamos possível o regresso de Olivença a Portugal. Propomos uma
administração conjunta de 30 a 40 anos, seguida de um referendo, e em que
fique estabelecido que a população não perde regalias», defendem os Amigos
de Olivença. Até lá, é provável que repitam manobras como a do Verão
passado, no início da «Vuelta» em bicicleta em Olivença. Mal souberam da
iniciativa, os «amigos» portugueses (ou «inimigos», como gosta de os
classificar o alcaide) de Olivença, rumaram em direcção ao ponto de partida
e distribuíram bandeiras portuguesas e panfletos, com frases do género:
«Por que não começar a Vuelta no País Basco ou na Catalunha?» A Guardia
Civil foi chamada a intervir e a manter sob a sua alçada os «subversivos».
«Son muy pesados», descreve um oliventino, quando lhe vêm à memória as
«estocadas» dos Amigos de Olivença. «Chatos», em português.
O QUE DIZ A HISTÓRIA
Apesar das pretensões portuguesas sobre Olivença, a verdade é que o reino
de Espanha assentou arraiais nesta vila raiana em 1801 e nunca mais saiu.
Olivença tornou-se portuguesa de facto e 'de jure' em 1297, através do
Tratado de Alcanizes celebrado entre D. Dinis, de Portugal, e Fernando IV,
de Castela. Sob os reinados portugueses, tornou-se uma praça contra o
inimigo espanhol, com a fortificação templária e a torre de 40 metros sobre
o castelo. Em 1509, começa a construção da ponte sobre o Guadiana (hoje em
ruínas) e mais tarde são erigidas a igreja da Madalena e a Misericórdia.
Em 1801, durante a invasão do Alentejo pelas tropas espanholas apoiadas
pelos franceses, Olivença e outra vilas rendem-se. Nesse ano, Portugal
vê-se obrigado a assinar um acordo com Napoleão Bonaparte e Carlos IV, de
Espanha, a que se dá o nome de Tratado de Badajoz, e no qual Portugal perde
para os espanhóis «a praça de Olivença, o seu território e os povos desde o
Guadiana», que passa a constituir a fronteira entre os dois países. O
artigo IV tem, no entanto, uma ressalva que sustenta as pretensões lusas: o
acordo tornar-se-ia nulo se um dos seus pontos fosse violado. E foi. Em
1807, franceses e espanhóis invadem Portugal, obrigando a Família Real a
refugiar-se no Brasil.
Em 1808, no Brasil, o Príncipe Regente D. João publica um manifesto
considerando sem efeito o Tratado de Badajoz. Na perspectiva portuguesa,
fica claro que o famoso artigo 105º obriga os espanhóis a devolverem
Olivença. Os espanhóis fazem uma leitura diferente e do dito artigo dizem
que é uma declaração de intenções.
(Mónica Contreiras)
www.olivenca.org
Divulgação 03-2005
EXPRESSO, 25-03-2005
Mónica Contreras
«CONTRA OLIVENZA»
Um grupo de portugueses mantém vivo o lema 'Olivença é nossa', apesar da
indiferença de quem lá vive.
Ramón Rocha: O alcaide não tem dúvidas sobre a soberania espanhola
«Acusam-nos de sermos lunáticos, tontos, mas esquecem que o fundador do
Grupo de Amigos de Olivença (GAO) era oliventino», desabafa Paulo
Fernandes, futuro licenciado em gestão, de 29 anos, um dos 700 sócios do
Grupo. António Marques, da direcção do GAO, mostra-se siderado com o número
de portugueses que desconhecem a questão de Olivença. «Mas todos conhecem o
problema de Gibraltar, que opõe espanhóis e ingleses há 300 anos», lamenta.
«Tudo isto é anedótico», contesta, por seu lado, um oliventino de gema,
Gregório Torres Gallego, que, na espiral de publicações sobre o tema
surgidos de um lado e do outro da fronteira, se viu forçado a estudá-lo e a
editar mais uma Historia de Olivenza.
Quem entra em Olivença através de Elvas, pela ponte nova da Ajuda -
inaugurada em 2000 e construída apenas com dinheiros portugueses - não
percebe que continua, segundo a posição oficial portuguesa, em terras lusas.
Mesmo antes de se confrontar com a placa azul onde se lê «Espanha», logo no
fim da ponte que atravessa o Guadiana, o visitante recebe as boas-vindas
das operadoras espanholas de telemóveis. Chega ao centro da cidade e
respira-se Espanha, apesar da proximidade da fronteira. O pessoal dos cafés
e os empregados dos restaurantes, onde se servem as típicas tapas do país
vizinho, as crianças que brincam nas ruas, as mulheres que trocam dois
dedos de conversa a caminho de casa, os homens que se juntam na praça
principal para passar o tempo - todos falam castelhano. Os toldos das lojas
e o anúncio das «fiestas» apresentam-se na língua de Cervantes. E até as
ruas têm nomes castelhanos. «Isto foi tudo castelhanizado. O apelido Vieira
passou a Viera, o Gonçalves a Gonzales, e por aí fora», frisa Carlos Luna,
do GAO. «A mudança de toponímia foi um dos instrumentos para apagar o
passado», acusa.
«Temos duas mães»
Mas uma visita pelo «casco viejo» (a zona antiga) revela uma vontade de
manter viva a História. Em declarações ao EXPRESSO, o alcaide de Olivenza
diz que foram gastos milhões na recuperação dos monumentos herdados dos
portugueses. «Temos duas mães, duas culturas. Por isso, tanto as crianças
como os universitários aprendem o português. Não renegamos o passado», diz,
peremptório Ramón Rocha Maqueda, à frente dos destinos de Olivenza desde
1979.
«Temos quase cem portugueses a viver e trabalhar no concelho». O alcaide
anuncia o número com vaidade, depois de um telefonema para a secretária, a
quem pergunta: «Além do teu marido, quantos portugueses temos aqui?»
O autarca não tem dúvidas sobre a soberania espanhola de Olivença. E, para
as reforçar, anuncia: «Até ao final do ano, terminaremos as obras de
recuperação na metade (espanhola) da ponte velha. Os portugueses, se
quiserem, que deixem a sua parte com está, em ruínas».
«A restauração da ponte significa que foi recuperado entre os dois lados do
Guadiana algo que estava rasgado», defende Gregório Torres Gallego, para
quem a questão de Olivença não tem sentido - entre outros motivos, porque
Portugal, desde meados do séc. XIX, nunca fez nada para reivindicar a
devolução da cidade. Esta tese, que pode ser sintetizada no ditado «quem
cala, consente», é também defendida na obra La cuestión de Olivenza a la
luz del derecho internacional publico, editada o ano passado, por Carlos
Fernández Liesa, um catedrático de Direito Internacional.
«Eles não podem restaurar a ponte porque é património nacional», frisa
Carlos Luna, um descendente de bascos e de oliventinos, que sente todas as
iniciativas espanholas como tentativas para apagar a presença portuguesa em
Olivença. Dá-se, por isso, ao trabalho de produzir constantemente
instrumentos de divulgação da cultura e história portuguesas. Isto porque,
alega, as crianças da margem esquerda do Guadiana aprendem que Olivença
ficou sob tutela espanhola devido ao dote de uma princesa ou em troca de
Campo Maior. O próprio alcaide afirma que, depois da invasão do Alentejo,
Espanha devolveu «o que não interessava» e ficou com Olivença.
Cerca de 400 oliventinos, numa população de 11 mil habitantes, já ouviram
os originais de Zeca Afonso, Vitorino, António Barroso e Delfins. Tudo
graças a Carlos Luna, que, pela calada da noite e quase como que numa
actividade clandestina, oferece aos jovens de Olivença cassetes em
português, com música ou com a história de Olivença. «As pessoas têm medo
de ser vistas connosco», diz. As cassetes reproduzem também a voz de Luna,
lendo textos de iniciação ao espanhol traduzidos para português.
«Muy pesados»
Mas será que o interesse pelas raízes históricas pode ir além da mera
curiosidade? Afinal, os oliventinos têm, bem perto de casa, hospitais,
escolas, uma universidade, comércio. Ganham salários mínimos superiores ao
português e pagam a gasolina mais barata do que em Portugal.
«Achamos possível o regresso de Olivença a Portugal. Propomos uma
administração conjunta de 30 a 40 anos, seguida de um referendo, e em que
fique estabelecido que a população não perde regalias», defendem os Amigos
de Olivença. Até lá, é provável que repitam manobras como a do Verão
passado, no início da «Vuelta» em bicicleta em Olivença. Mal souberam da
iniciativa, os «amigos» portugueses (ou «inimigos», como gosta de os
classificar o alcaide) de Olivença, rumaram em direcção ao ponto de partida
e distribuíram bandeiras portuguesas e panfletos, com frases do género:
«Por que não começar a Vuelta no País Basco ou na Catalunha?» A Guardia
Civil foi chamada a intervir e a manter sob a sua alçada os «subversivos».
«Son muy pesados», descreve um oliventino, quando lhe vêm à memória as
«estocadas» dos Amigos de Olivença. «Chatos», em português.
O QUE DIZ A HISTÓRIA
Apesar das pretensões portuguesas sobre Olivença, a verdade é que o reino
de Espanha assentou arraiais nesta vila raiana em 1801 e nunca mais saiu.
Olivença tornou-se portuguesa de facto e 'de jure' em 1297, através do
Tratado de Alcanizes celebrado entre D. Dinis, de Portugal, e Fernando IV,
de Castela. Sob os reinados portugueses, tornou-se uma praça contra o
inimigo espanhol, com a fortificação templária e a torre de 40 metros sobre
o castelo. Em 1509, começa a construção da ponte sobre o Guadiana (hoje em
ruínas) e mais tarde são erigidas a igreja da Madalena e a Misericórdia.
Em 1801, durante a invasão do Alentejo pelas tropas espanholas apoiadas
pelos franceses, Olivença e outra vilas rendem-se. Nesse ano, Portugal
vê-se obrigado a assinar um acordo com Napoleão Bonaparte e Carlos IV, de
Espanha, a que se dá o nome de Tratado de Badajoz, e no qual Portugal perde
para os espanhóis «a praça de Olivença, o seu território e os povos desde o
Guadiana», que passa a constituir a fronteira entre os dois países. O
artigo IV tem, no entanto, uma ressalva que sustenta as pretensões lusas: o
acordo tornar-se-ia nulo se um dos seus pontos fosse violado. E foi. Em
1807, franceses e espanhóis invadem Portugal, obrigando a Família Real a
refugiar-se no Brasil.
Em 1808, no Brasil, o Príncipe Regente D. João publica um manifesto
considerando sem efeito o Tratado de Badajoz. Na perspectiva portuguesa,
fica claro que o famoso artigo 105º obriga os espanhóis a devolverem
Olivença. Os espanhóis fazem uma leitura diferente e do dito artigo dizem
que é uma declaração de intenções.
(Mónica Contreiras)
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