segunda-feira, março 20, 2023

BAIXA NATALIDADE PARECE AFECTAR PAÍSES BELIGERANTES

Desde que o sábio chinês Sun Tzu escreveu «A Arte da Guerra», cerca de 2500 anos atrás, quase todos os escritores de assuntos militares afirmaram que uma rápida taxa de crescimento populacional é o sine qua non para a decisão de uma nação de ir à guerra.
Mais recentemente, esta teoria foi elaborada pelo mercenário suíço, general Antoine-Henri Jomini, numa série de livros que são "leituras obrigatórias" na maioria das academias militares desde o século XIX. Ecos da mesma teoria estão presentes em «On War», a "bíblia" militar escrita por Carl von Clausewitz, general prussiano e historiador militar, no século XIX.
Assim, as tribos indo-europeias deixaram a sua pátria ancestral na Ásia Central porque já não podiam alimentar uma população em rápido crescimento. Buscando terras mais férteis e pastagens para os seus rebanhos, embarcaram em invasões a oeste e a sul para encontrarem os recursos que cobiçavam.
Os antigos Romanos e Persas também foram levados à conquista por causa das altas taxas de natalidade que tornavam a conquista de novas terras uma necessidade de vida ou morte.
A invasão árabe dos impérios persa e bizantino no Médio Oriente e na Ásia Menor também ocorreu quando a Península Arábica já não podia alimentar a sua crescente população. A mesma análise foi aplicada à invasão mongol que levou tribos famintas da distante Mongólia para o coração da Europa e do Médio Oriente.
O rápido crescimento populacional também foi um factor-chave para empurrar os Britânicos no caminho da construção do império a partir do século XVI. Na verdade, a capacidade de exportar um grande número de Povos para novas terras é frequentemente citada como um dos fatores-chave na construção de impérios desde tempos imemoriais.
Por fim, os nazis alegaram que a Alemanha pós-Weimar precisava de invadir a Europa em busca de "Lebensraum" (espaço vital) para garantir os recursos agrícolas e energéticos necessários para ser uma grande potência.
As nações conquistadoras sempre precisaram de uma alta taxa de natalidade para fornecer os lutadores ou a carne para canhão que todo o conquistador merece. As enormes perdas de França na Primeira Guerra Mundial levaram Georges Clemenceau, o primeiro-ministro conhecido como "O Tigre", a dizer, na brincadeira, que "bebés vencem guerras, não generais".
Mas e se essa velha teoria já não funcionar? Na verdade, e se o oposto for verdadeiro - e se algumas nações são levadas à guerra por causa do declínio da população?
No momento, três nações estão activa ou implicitamente em pé de guerra contra os seus vizinhos: Rússia, China comunista e República Islâmica no Irão. Todos os três sofrem de baixas taxas de natalidade, altas taxas de mortalidade e um número cada vez maior de idosos.
De facto, na última década, a população da Rússia caiu de quase 147 milhões para 141 milhões em 2022. Há uma década, a Rússia era o nono país mais populoso do mundo. Hoje, está previsto que cai para o número 22 na década actual. A taxa média de natalidade da Rússia coloca-a em 213º lugar, perto do último lugar no ranking mundial. Pior ainda, a parcela mais jovem da sua população, de zero a 14 anos, é igual à parcela dos mais velhos, com 65 anos ou mais. Ao mesmo tempo, a parcela do produto interno bruto (PIB) que a federação gasta com os militares é quase o dobro da que é destinada à saúde. Por outras palavras, a Rússia pode acabar por ter muitas armas, mas poucas pessoas para carregá-las. As coisas pioraram desde que o presidente Vladimir Putin lançou a sua "Operação Especial" contra a Ucrânia. De acordo com as melhores estimativas, durante os últimos 12 meses, quase um milhão de russos em idade de lutar deixou o país para evitar o "recrutamento voluntário" ordenado por Putin. A Rússia também enfrenta uma crescente escassez de mão-de-obra. Na verdade, sem imigração líquida, principalmente da Ásia Central e da Bielorrússia, a Rússia podia ter enfrentado escassez ainda mais aguda. Tendo alistado mais de 100000 homens no primeiro ano da guerra na Ucrânia, Putin pode precisar de importar, para não dizer pessoal de imprensa, pessoas de países vizinhos. Uma entrada maciça de "trabalhadores temporários" chineses ajudou, junto com a adição de 100000 "novos cidadãos" da Ossétia do Sul, parte da Geórgia que Putin anexou em 2008, e cerca de 2,1 milhões de russófilos ucranianos chegados da Crimeia, Donetsk e Luhansk.
A China está a enfrentar uma tempestade demográfica perfeita semelhante. Pela primeira vez em mais de seis décadas, a China experienciou uma queda real na sua população, prestes a perder a posição de nação mais populosa do mundo para a Índia. Pior ainda, a China está a experienciar uma tendência crescente de emigração, principalmente para a América do Norte e Europa Ocidental, especialmente entre os jovens de estratos altamente qualificados da sociedade. A necessidade de enfrentar o déficit demográfico pode estar presente, pelo menos em filigrana, no discurso cada vez mais beligerante de Pequim sobre Taiwan.
A República Islâmica do Irão também está a enfrentar um desafio demográfico que os seus líderes se esforçam para avaliar. Ao contrário da Rússia e da China, o Irão ainda não está a enfrentar uma queda real da sua população, em parte graças a um influxo de refugiados afegãos que, embora tenha diminuído no ano passado, compensa um fluxo crescente de jovens iranianos que emigram para o Ocidente, Europa e América do Norte. Um plano para acomodar mais de 100000 "voluntários para o martírio" do Afeganistão, Paquistão, Iraque e Líbano, agora estacionados na Síria, em diferentes partes do Irã está a ser finalizado em Teerão. No entanto, a baixa taxa de natalidade - menos de um por cento - e o número crescente de cidadãos mais velhos reduzem o número de homens que os mulás poderiam enviar para a guerra.
Todos professam diferentes matizes de hostilidade à actual ordem mundial, que eles vêem como tendenciosamente favorável ao "Ocidente", liderado pelos Estados Unidos.
China, Rússia e Irão gastam quase o dobro com as forças armadas do que com a saúde e o bem-estar dos seus cidadãos. Os seus gastos militares como percentagem do PIB são mais do que o dobro da média dos países da OCDE, enquanto os seus gastos com saúde como percentagem do PIB são menos da metade da média da OCDE.
A guerra na Ucrânia pode mostrar se um Estado autoritário com uma população em declínio e envelhecida pode vencer uma guerra, como fizeram os antigos Estados autoritários com demografia galopante - na verdade, respondendo à pergunta: os bebés ainda vencem as guerras?
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Amir Taheri foi o editor-chefe executivo do diário Kayhan no Irão de 1972 a 1979. Trabalhou ou escreveu para inúmeras publicações, publicou onze livros e é colunista do Asharq Al-Awsat desde 1987.

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Este artigo apareceu originalmente no Asharq Al-Awsat e foi reimpresso com a gentil permissão do autor.
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Fonte: https://www.gatestoneinstitute.org/19502/do-babies-still-win-wars

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Comprova-se portanto o que já há muito se adivinhava - o discurso segundo o qual o Ocidente tem baixa natalidade por causa do seu estilo de vida «degenerado» e «suicida», com liberdades «a mais», é afinal treta pegada, a menos que se queira agora dizer que também a Rússia, a China e o Irão são focos de feminismo, de consumismo burguês e de direitos LGBT... 

10 Comments:

Blogger lol said...

Sai bem mais caro reproduzir numa sociedade moderna avancada antes era so trepar jogar pra fome como ainda fazem no congo

22 de março de 2023 às 06:57:00 WET  
Blogger Afonso de Portugal said...

A conclusão que retiraste no fim da posta é indigna da tua inegável inteligência.

A questão do Irão não é trivial, porque os dados diferem muito dependendo da fonte. A ONU diz que a taxa de natalidade do Irão ainda era de 2,1 filhos/mulher em 2022. A CIA diz que será de 1,92 filhos/mulher em 2023 e o Banco Mundial diz que era de 1,71 filhos/mulher em 2020.

Todos estes valores estão muito acima da natalidade portuguesa, bem como da generalidade dos países europeus:

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_sovereign_states_and_dependencies_by_total_fertility_rate

Já a China está a sofrer as consequências da política de filho único que vigorou entre 1970 e 2021. Não é por isso cientificamente adequado compará-la com o Ocidente.

A Rússia, por seu lado, terá uma taxa de fertilidade ao nível ou até acima da Alemanha, entre os 1,5 e os 1,8 filhos por mulher. E misturar natalidade com mortalidade e emigração, como faz este artigo tendencioso, tem muito que se lhe diga. “Países beligerantes”? Então como é que o Iraque, o Iémen e o Afeganistão ainda têm tantos filhos?...

A verdadeira questão aqui é: porque é que a generalidade dos países africanos e do Médio Oriente - incluindo Israel - ainda tem tantos filhos, quando o Ocidente e os países mais desenvolvidos não têm?

Se queres excluir o consumismo burguês – a que a China, a Rússia e o próprio Irão não são alheios –, a honestidade intelectual requer que avances com uma explicação alternativa. Porque “da miséria e da falta de condições de vida” – como dizem os animais dos marxistas – é que não é de certeza, senão África não liderava as tabelas de natalidade todas.

1 de abril de 2023 às 20:25:00 WEST  
Blogger Caturo said...

«Todos estes valores estão muito acima da natalidade portuguesa,»

Claro que estão, pois que também o Irão está num contexto sócio-cultural muito abaixo do nível civilizacional de Portugal e dos mais países europeus. A questão não é essa mas sim o que se revela na visão de conjunto. Se o conservadorismo pegasse e resultasse para solucionar a baixa natalidade, a taxa de natalidade iraniana não estaria agora a descer. Ainda não chegou ao nível da de Portugal, pois claro que não, mas a distância política entre o Irão e Portugal é tão grande ou maior que a distância de natalidade entre os dois países.
É certo que, no Afeganistão, a natalidade é altíssima, porventura devido ao imperativo do seu Islão radical; talvez o mesmo se tenha verificado no Irão aquando da revolução islâmica em 1979, dado que a natalidade iraniana aumentou a olhos vistos nessa altura, quase duplicando, mas passados uns anitos, desceu novamente, desta feita para níveis por vezes inferiores aos do tempo do regime mais ou menos ocidentalizado do Xá Reza Pahlevi, como aqui se pode ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_Iran#Registered_births_and_deaths

Curiosamente, a taxa fertilidade no Irão tem descido consideravelmente desde 1994, em que era o triplo da de agora.
Culpa do quê, do Feminismo e do Consumismo iraniano? Mas como, se a uma mulher basta que mostre um bocadito de cabelo para ser logo espancada (num caso recente, foi até à morte)? Ou será que, na generalidade, o povo está mesmo farto porque tal nível de conservadorismo não pode nem à porrada ser mantido por muito tempo, como o parecem revelar alguns sinais?


«Já a China está a sofrer as consequências da política de filho único que vigorou entre 1970 e 2021»

Está, mas isso se calhar não chega para explicar o colapso na sua natalidade, como aqui se lê - parece que o regime totalitário tem dificuldade em motivar a população para se reproduzir: https://www.washingtonpost.com/opinions/2023/02/28/behind-china-collapse-birth-marriage-rates/
Repara - isto está a acontecer apesar de o regime ser muito diferente do ocidental.


«A Rússia, por seu lado, terá uma taxa de fertilidade ao nível ou até acima da Alemanha,»

Pudera, também tem um nível social, cultural, civilizacional, muito abaixo do da Alemanha. Entretanto, é sintomático que entre os Russos propriamente ditos a taxa de natalidade esteja abaixo do nível de substituição; as populações da Rússia com mais alta taxa de natalidade são de não russos, sobretudo gentes muçulmanas:
«Out of the dozens of groups listed here, only some have an above replacement fertility (2.06), namely Roma (2.620), Tabasarans (2.327), Turks (2.236), Avars (2.166), Dargins (2.158), Altaians (2.154), Tajiks (2.141) and Kumyks (2.066).
For Jews, the TFR is almost less than half of that needed for replacement. The lowest TFR were registered among Jews (1.282), Russians (1.442), Georgians (1.446) and Ossetians (1.510).»

1.442? Estão praticamente ao nível de Portugal (1.3) - e não vivem numa sociedade consumista e feminista, que faria se vivessem... Poderás dizer que muito do 1.3 de Portugal não é de Portugueses. Então e o 1.3 da Grécia, que praticamente não tem africanos, é de quê?


2 de abril de 2023 às 10:01:00 WEST  
Blogger Caturo said...

«A verdadeira questão aqui é: porque é que a generalidade dos países africanos e do Médio Oriente - incluindo Israel - ainda tem tantos filhos, quando o Ocidente e os países mais desenvolvidos não têm?»

Porque, em geral, quanto mais desenvolvidos são os países, menos filhos têm os seus nacionais. A religião, entretanto, também pesa, como se constata no Afeganistão e se observou no Irão durante algum tempo após a revolução islâmica. A baixa natalidade ocidental, japonesa e coreana (mais baixa que a da Europa toda) é por isso um fruto natural da evolução.
Por isso, insisto: a verdadeira questão reside na visão de conjunto. Se os blocos civilizacionais opostos ao do Ocidente tivessem a solução para a baixa natalidade - que, a nível mundial, reduz-se desde há décadas, apesar do contrapeso africano - então não estariam a braços com o mesmo «problema» que o Ocidente enfrenta, com uma diferença de grau e não de essência nos resultados, ainda que, na doutrina, a sua diferença seja precisamente de essência e não de grau.

Quanto ao que dizem os animais dos marxistas sobre a baixa natalidade por causa das condições de vida actuais, só pode ser encarada como verdadeira no sentido imediato, restrito, de uma população habituada a um certo padrão de exigência. Aquilo que para os europeus de há cem anos era aceitável, como por exemplo a população das classes baixas a andar descalça, hoje é compreensivelmente inaceitável. Em África o caso é outro porque o padrão de exigência permanece baixíssimo...

2 de abril de 2023 às 10:01:00 WEST  
Blogger Afonso de Portugal said...

«Culpa do quê, do Feminismo e do Consumismo iraniano»

Do feminismo, não, por motivos óbvios. Do consumismo, talvez, pelo menos em parte. Mas se o problema fosse a brutalidade do regime, os restantes países islâmicos também teriam taxas de fertilidade baixas. O que se observa, em geral, é precisamente o contrário.


«https://www.washingtonpost.com/opinions/2023/02/28/behind-china-collapse-birth-marriage-rates/»

Esse artigo oferece uma possível explicação (governação de Xi Jinping) sem nunca providenciar uma única prova concreta que sustente essa explicação. Eu posso jogar o mesmo jogo facilmente e o meu juízo terá exactamente o mesmo valor nulo. Por exemplo, eu posso afirmar que o facto de os chineses das últimas duas gerações terem sido quase todos filhos únicos teve consequências na forma como encaram as relações. A experiência da Coreia do Sul e do Japão diz-nos que crianças isoladas tendem a transformar-se em adultos socialmente incompetentes. Mas isto, tal como o artigo do Washington Post, será apenas especulação.


«só pode ser encarada como verdadeira no sentido imediato, restrito, de uma população habituada a um certo padrão de exigência.»

Mas não há nada que indique que isso seja verdade. Ou que seja mais verdade do que o factor cultural, i.e. o comodismo e a preguicite.

É que, repare-se, nem sequer é o tipo de variável que se pode estudar facilmente, porque, em qualquer inquérito de opinião que se faça, a maioria dos casais sem filhos dificilmente responderá que não quer ter filhos porque não está para os aturar.


«Em África o caso é outro porque o padrão de exigência permanece baixíssimo...»

Então falemos do caso de Israel, um país que nos supera em vários indicadores, como por exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano, o PIB per capita e a taxa de fertilidade.

Os israelitas serão, em princípio, tão ou mais civilizados do que os portugueses. No entanto, eles conseguem ter uma taxa de fertilidade de 3 filhos/mulher (Nações Unidas, 2022).

Se a questão não é cultural, e é sobretudo económica em relação a padrões de exigência estabelecidos, então como é que, na tua opinião, se explica a elevada natalidade dos israelitas?

6 de abril de 2023 às 18:54:00 WEST  
Blogger Caturo said...

«Do feminismo, não, por motivos óbvios. Do consumismo, talvez, pelo menos em parte.»

A ponto de criar crise demográfica - mesmo sabendo-se que os valores dominantes do sistema são diametralmente opostos a isto? Não achas estranho?


«Mas se o problema fosse a brutalidade do regime, os restantes países islâmicos também teriam taxas de fertilidade baixas»

A questão não é essa. A questão é que, numa população com algum desenvolvimento civilizacional, esses valores pelos vistos não resultam como os conservadores querem.



«https://www.washingtonpost.com/opinions/2023/02/28/behind-china-collapse-birth-marriage-rates/»

«Esse artigo oferece uma possível explicação (governação de Xi Jinping) sem nunca providenciar uma única prova concreta que sustente essa explicação.»

Talvez, mas de qualquer modo está-se a navegar no campo das incertezas. Só os resultados são conhecidos e não abonam a favor nem do conservantismo chinês nem do russo nem do iraniano, sabendo-se que nem na Rússia nem no Irão se aplicou a política do filho único.


«só pode ser encarada como verdadeira no sentido imediato, restrito, de uma população habituada a um certo padrão de exigência.»

«Mas não há nada que indique que isso seja verdade. Ou que seja mais verdade do que o factor cultural, i.e. o comodismo e a preguicite.»

Com a tua segunda frase disseste quase - quase - o mesmo que eu, simplesmente disseste-o com um juízo de valor.


«a maioria dos casais sem filhos dificilmente responderá que não quer ter filhos porque não está para os aturar»

Há mais de uma maneira de dizer as coisas. Há quem afirme por exemplo que quer ter liberdade.


«Se a questão não é cultural, e é sobretudo económica em relação a padrões de exigência estabelecidos, então como é que, na tua opinião, se explica a elevada natalidade dos israelitas?»

Por motivos culturais, religiosos... tendo já agora em mente que em Israel os que mais se reproduzem são os mais atrasados, nomeadamente os árabes, atenção a isso.

10 de abril de 2023 às 01:07:00 WEST  
Blogger Afonso de Portugal said...

«A ponto de criar crise demográfica - mesmo sabendo-se que os valores dominantes do sistema são diametralmente opostos a isto? Não achas estranho?»

Não concordo que os valores teocráticos iranianos sejam diametralmente opostos ao consumismo. Os iranianos gostam de ter boas roupas, bons carros, bons telemóveis e até de viajar tanto como os portugueses. E o regime não se opõe a nada disso, embora imponha restrições às mulheres no último caso (viajar).


«A questão é que, numa população com algum desenvolvimento civilizacional, esses valores pelos vistos não resultam como os conservadores querem.»

Mas resultam melhor do que a ausência desses valores. A prova é que as comunidades mais religiosas são precisamente aquelas que tendem a ter mas filhos por casal, mesmo no mundo desenvolvido.


«Só os resultados são conhecidos e não abonam a favor nem do conservantismo chinês nem do russo nem do iraniano, sabendo-se que nem na Rússia nem no Irão se aplicou a política do filho único.»

O único desses três países que é realmente conservador é o Irão. Os russos falam mal dos LGBTs e afins, mas são tão boémios e depravados como os ocidentais, ou pelo menos como os habitantes dos países do centro da Europa. Já a China é comunista e ateia, chamar conservador àquilo é um abuso.

Seja como for, o ponto aqui é que, para ser conservador no contexto em que estamos a falar, tem de haver um incentivo claro à vida familiar. Exceptuando o Irão, que é realmente um caso de estudo, nenhum dos países mencionados incentiva os seus cidadãos a viver para a família.


«Com a tua segunda frase disseste quase - quase - o mesmo que eu, simplesmente disseste-o com um juízo de valor.»

Não, não disse. O teu argumento é que o conservadorismo não tem influência na natalidade, ou tem pouca. Já o meu argumento é que o conservadorismo orientado para a família faria toda a diferença. Por exemplo, se as pessoas fossem penalizadas por não terem filhos, perdendo o direito a uma reforma completa, o comodismo e a preguicite desapareceriam. Ou, pelo menos, seriam reduzidos drasticamente. É isso que acontece nos meios mais religiosos, onde não ter filhos é uma vergonha e até, nalguns casos, uma falta grave aos olhos da comunidade.

10 de abril de 2023 às 20:22:00 WEST  
Blogger Afonso de Portugal said...

«Há mais de uma maneira de dizer as coisas. Há quem afirme por exemplo que quer ter liberdade.»

Pois, mas no contexto em que estávamos a falar, que era o “de uma população habituada a um certo padrão de exigência”, a questão da liberdade teria sempre de ser clarificada. O que é ser livre, exactamente? Poder ir ao cinema/teatro, aos festivais de música e à discoteca sempre que nos apetecer? É que aí caímos na dimensão do aburguesamento que tu dizes não ter significado.

Aliás, mesmo que “ser livre” seja apenas não querer aturar crianças, ainda será preciso perceber porque é que os nossos avós – e mesmo a maior parte dos nossos pais e das nossas mães – tinham como maior aspiração constituir família e ter filhos, enquanto as gerações mais recentes parecem querer sobretudo não ter família, muito menos filhos.

E depois ainda seria preciso perguntar a essas pessoas, a esses amantes da “liberdade”, o que é que fariam a respeito das dezenas de milhares de empregadores que dizem que precisam de mão-de-obra. É que se eles não querem ter filhos, é preciso que eles nos digam como é que tencionam renovar a população activa. Aceitam perder serviços, saúde e até pensões? Aceitam cuidar de si próprios quando forem velhinhos e, se por acaso, ficarem dementes e fisicamente incapacitados, aceitam ser eutanasiados?


«Por motivos culturais, religiosos... tendo já agora em mente que em Israel os que mais se reproduzem são os mais atrasados, nomeadamente os árabes, atenção a isso.»

Não é o que diz aqui:

https://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_Israel#Fertility

A tabela que se pode ver na secção “fertility” diz-nos que a fertilidade dos árabes tem vindo a diminuir desde 2009, sendo de 3,01 filhos/mulher em 2021. Já a fertilidade dos judeus no mesmo ano era de 3,13 filhos/mulher. Nem sempre foi assim, é certo, mas tem sido assim nos últimos anos.

Seja como for, não me leves a mal, mas estás a evitar responder à pergunta central desta conversa. Se a quebra de natalidade do Ocidente não é uma questão de “feminismo, de consumismo burguês e de direitos LGBT”, então é uma questão de quê?

10 de abril de 2023 às 20:23:00 WEST  
Blogger Caturo said...

«Não concordo que os valores teocráticos iranianos sejam diametralmente opostos ao consumismo. Os iranianos gostam de ter boas roupas, bons carros, bons telemóveis»

Ok. Conheces alguma ideologia que contrarie essas tendências e que leve o povo a ignorar esses gostos?



«Mas resultam melhor do que a ausência desses valores»

Nem isso é garantido. Essas sociedades pura e simplesmente nunca chegaram ao nível de desenvolvimento das europeias. Impor agora tais valores em sociedades como as da Europa Ocidental seria bem outra história.


«A prova é que as comunidades mais religiosas são precisamente aquelas que tendem a ter mas filhos por casal, mesmo no mundo desenvolvido»

Comunidades onde a religião é herdada, é continuada, não chegou a ser substituída, por motivos históricos e ideológicos. É bem diferente do que sucede na Europa, onde a religião já há muito declinou.


«Só os resultados são conhecidos e não abonam a favor nem do conservantismo chinês nem do russo nem do iraniano, sabendo-se que nem na Rússia nem no Irão se aplicou a política do filho único.»

«O único desses três países que é realmente conservador é o Irão.»

E, todavia, a sua natalidade está a baixar.


«Os russos falam mal dos LGBTs e afins, mas são tão boémios e depravados como os ocidentais,»

Bem, o LGBT goza de muito mais liberdade em Israel do que na Rússia.


«Com a tua segunda frase disseste quase - quase - o mesmo que eu, simplesmente disseste-o com um juízo de valor.»

«Não, não disse»

O termo «preguicite» é, objectivamente, um juízo de valor.


«Já o meu argumento é que o conservadorismo orientado para a família faria toda a diferença. Por exemplo, se as pessoas fossem penalizadas por não terem filhos, perdendo o direito a uma reforma completa,»

Isso seria um escândalo, e tem piada que seja dito por ti depois de pretenderes denunciar como «fantasia» a clonagem e a automatização do trabalho. Pois se até o adiamento da reforma dá conflitos em barda como se tem visto em França, quanto mais cortar reforma a quem não tem filhos...


«É isso que acontece nos meios mais religiosos, onde não ter filhos é uma vergonha»

Pois, mas isso vem de há muito. Não é artificial e estatalmente instituído. O engraçado em neo-conservadores ocidentais é a sua tergiversação irreligiosa - acham que se pode ter aquilo que alguns religiosos têm mas sem religião... faz lembrar, assim muito por alto, os ianques brancos que querem a «white sharia»... e porque é que querem as coisas que determinados religiosos têm?, porque só no aspecto racional, e de crença, estão fora da religião, uma vez que a sua moral continua a ser grandemente ditada por essa religião, tenham ou não consciência disso.

11 de abril de 2023 às 03:07:00 WEST  
Blogger Caturo said...

«O que é ser livre, exactamente?»

Em termos político-sociais, é poder fazer o que se quiser sem se violar o espaço privado de outrém. Sim, inclui o «aburguesamento». Se se vive numa sociedade livre e se pode fazer «tudo» menos aburguesar-se, então essa liberdade é muito limitada, por assim dizer...
Não se limita, porém, ao aburguesamento. Pode também dizer respeito a ter tempo para si, até para nada fazer, ou não querer responsabilidades e fragilidades diversas que ter filhos implica.


«Aliás, mesmo que “ser livre” seja apenas não querer aturar crianças, ainda será preciso perceber porque é que os nossos avós – e mesmo a maior parte dos nossos pais e das nossas mães – tinham como maior aspiração constituir família e ter filhos,»

Porque Roma e Pavia não se fizeram num dia. A alteração das mentalidades leva tempo - mas acontece. A maior parte dos nossos pais e mães nem sequer vivia numa sociedade em que a individualidade fosse especialmente respeitada, pelo contrário.


«E depois ainda seria preciso perguntar a essas pessoas, a esses amantes da “liberdade”, o que é que fariam a respeito das dezenas de milhares de empregadores que dizem que precisam de mão-de-obra»

O que eu já disse acima, ponto por ponto - além do facto de que ainda existem milhões de empregados e centenas de milhares de desempregados que estão desempregados nem se sabe bem porquê, mas também ninguém fala muito nisso. Quer dizer, devia ser um dos motivos mais explorados pelos Nacionalistas, nomeadamente em Portugal, para se perceber porque é que, com meio milhão de desempregados, continuam a chegar imigrantes, mas há pouco pessoal na hoste nacionalista que analise as coisas de um ponto de vista estritamente nacionalista em vez de genericamente conservador.



«Por motivos culturais, religiosos... tendo já agora em mente que em Israel os que mais se reproduzem são os mais atrasados, nomeadamente os árabes, atenção a isso.»

«Não é o que diz aqui:
https://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_Israel#Fertility»

Por acaso até é:
2021:
Jews and others: 19.1 births/1,000 population
Muslims: 23.4 births/1,000 population


«A tabela que se pode ver na secção “fertility” diz-nos que a fertilidade dos árabes tem vindo a diminuir desde 2009, sendo de 3,01 filhos/mulher em 2021. Já a fertilidade dos judeus no mesmo ano era de 3,13 filhos/mulher.»

Onde está isso? Eu li que a natalidade judaica chegou, recentemente, a ultrapassar a muçulmana, mas pelo que também li acima, isso já em 2021 tinha mudado.


Seja como for, não me leves a mal, mas estás a evitar responder à pergunta central desta conversa. Se a quebra de natalidade do Ocidente não é uma questão de “feminismo, de consumismo burguês e de direitos LGBT”, então é uma questão de quê?»

Esta pergunta é que é francamente surpreendente. Então eu não disse que era uma consequência da evolução das sociedades?

11 de abril de 2023 às 04:56:00 WEST  

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