TRUMP, VANCE E OS REBANHOS
Há na Direita quem ache que J. D. Vance é melhor que Trump. Eu penso o contrário. Trump é melhor que Vance, até ver - Trump é aliás o melhor presidente que os EUA alguma vez tiveram. Trump nasceu até cedo demais, está um bocado à frente do seu próprio país. Vance é muito mais regressivo - é verdadeiramente conservador, anti-LGBT, anti-aborto, anti-feminismo, chega ao desgraçado ponto de criticar mulheres por não serem mães, o que aliás pode valer a Trump a derrota eleitoral amanhã. Trump não é, ou não era, nada disso. Antes da sua vitória em 2016, tinha sido favorável à liberdade de aborto. Nunca foi verdadeiramente anti-LGBT nem anti-feminista. Sucede que, como bom negociador que é, tem de saber fazer política - e a política, já dizia alguém, «é a arte do possível». Trump acabou por ter de perceber que o seu eleitorado é o dos conservadores.
Dizem e repetem os comentadeiros televisivos que o eleitorado de Trump é incondicional, e que ele próprio terá comentado que poderia matar alguém em Nova Iorque e ainda assim teria os mesmos eleitores, pois se calhar há um fundo de verdade nisso - todavia, do lado oposto sucede o mesmo pela inversa: os que o odeiam, odeiam-no incondicionalmente, faça ele o que fizer. Odeiam-no porque ele é indiscutivelmente tido como «racista & xenófobo» - e a «religião» da elite político-cultural reinante no Ocidente é a «religião» do anti-racismo, pode-se mesmo chamar-lhe a Santa Madre Igreja do Anti-Racismo e do Multiculturalismo dos Últimos Dias do Ocidente. O «clero» desta «igreja» como que decretou que a alma de Trump caiu no inferno eterno assim que prometeu construir um muro para travar a imigração (e que o México o pagaria). Claro que o «clero» do anti-racismo não poderia admitir que um candidato a liderar a única superpotência fizesse uma declaração destas - claro que tinha de fazer dele o maior diabo do planeta. Este é o motivo pelo qual o acusa de «mentir», de ser um «criminoso», de tudo aquilo de que se lembrar, e acusa-o com paixão, com ódio autêntico, e o irónico da questão é que quem o diaboliza todos os dias, é a mesma «gente» que também todos os dias diz opôr-se ao «discurso de ódio», quando na verdade tudo, rigorosamente tudo o que esta «gente» diz de Trump e de todos os «racistas» é genuína e profundamente motivado pelo ódio, porque esta «gente» tem toda uma sensibilidade militantemente universalista, porque o fundamento da sua moral é o do amor universal contra todas as fronteiras.
Percebendo tudo isto pelo menos nos seus efeitos práticos, Trump entendeu já que não tira voto algum à Esquerda para além dos casos de trabalhadores de classes baixas. Trump percebeu, repito, que, faça o que fizer, vai ter contra si os mé(r)dia em peso. Repare-se por exemplo que, no Ocidente, toda a elite, e mesmo o resto da população, acha errado que se criminalize a homossexualidade; ora seria óbvio que toda esta gente fosse a favor da descriminalização da homossexualidade a nível mundial. Pois bem - quando Trump lançou, em 2018, uma campanha mundial pela descriminalização do LGBT, visando os setenta países do mundo, setenta, mais coisa menos coisa, onde o LGBT é punido por lei, pois quando Trump fez isto, não houve eco algum nos grandessíssimos mé(r)dia. Percebe-se porquê - porque a política é ainda conduzida em modo de rebanho. O rebanho da Direita não quer sequer lembrar que o seu maior líder se pôs a defender os «pervertidos», e o rebanho da Esquerda não gostaria mesmo nada que o seu ódio de estimação favorito pudesse estar mediaticamente associado a uma acção salvadora desse tipo. Vai daí «ninguém» fala disso e acabou-se a história. Vai daí Trump tirou a prova dos nove - não conseguirá mesmo unir a Nação a esse ponto porque os seus inimigos querem-na dividida e não gostam mesmo nada que haja tanto «povinho» a votar num «racista», era o que mais faltava que agora também perdessem votos da comunidade gay e liberal em geral...
Ao contrário do que guincham comentadeiros diversos, Trump teria a longo prazo mais hipóteses na Europa que nos EUA, se pudesse dizer realmente tudo o que pensa. Trump está, efectivamente, muito mais alinhado com uma Marine Le Pen, que votou a favor da inclusão do direito ao aborto na constituição francesa e que há mais de dez anos recebe votações do eleitorado LGBT, muito mais alinhado com um Geert Wilders, ou com o partido nacionalista dos Democratas Suecos, do que com o grosso do aparelho político do seu próprio partido republicano ianque.
Talvez perca amanhã. Há demasiados interesses instalados contra o que ele quer fazer. Pode acontecer, todavia, que um dia seja lembrado como alguém que poderia ter impedido a elite de transformar os EUA num país a caminho do terceiro-mundo e a permitir na prática o avanço político da Rússia e da China contra os interesses ocidentais.
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