Durante dez dias, o Observador andou nas ruas: percorreu os concelhos onde o Chega teve melhores resultados nas eleições legislativas para perceber o que pensam os mais de 1,4 milhões de portugueses que decidiram votar em André Ventura. Foram ouvidos 60 eleitores do Chega, tantos quantos os deputados do partido na Assembleia da República. Muitos destes eleitores não saíam há anos do sofá para ir votar e só o fizeram agora por causa de André Ventura.
A imigração foi o que mais levou ao voto no Chega, seguindo-se o cansaço com os partidos tradicionais. A esmagadora maioria não foi vítima de nenhum crime nem conhece alguém que tenha sido, mas estes eleitores sentem-se mais inseguros e relacionam essa insegurança com a imigração. Fique a saber o que motiva e mobiliza os eleitores que provocaram um terramoto político a 18 de Maio.
A razão que levou a maior parte dos eleitores do Chega ouvidos pelo Observador (36,7%) a votarem no partido foi a imigração. Seguiu-se o cansaço com o sistema político (26,7%).
Voz do povo:
- Os ciganos estão a receber os rendimentos mínimos. Todos têm um cartão de cidadão. É fácil. Era ir às finanças com o número de contribuinte deles e ver quanto é que os ciganos já pagaram de impostos para o Estado. Fazer uma lista dos ciganos todos, dizer assim, vocês todos juntos pagaram X de impostos. Não pagaram nada, portanto, não têm direito a nada. Ainda falta fazer essa lista.
- O que dá a vida à cidade de Portimão é a Praia da Rocha. A Praia da Rocha está infestada de ciganos de manhã à noite a chatearem os turistas. (...) Os ciganos é que são o maior problema que existe aqui nesta zona.
- O que me levou a votar no Chega? O facto de estar farta, cansada de trabalhar e ver tanta gente a viver de subsídios.
- Aqui em Albufeira isto é tudo uma máfia que está aqui. Mandam aqui nos bares e já vêm com os esquemas montados da Índia.
- Tem aqui um sítio que é só imigrantes. Você não pode lá passar. A partir de uma certa hora, não pode lá passar.
- Só querem dar as casas aos estrangeiros que vêm para cá para receber subsídios e os portugueses, que são de cá e precisam de casas, não conseguem.
- As coisas mudaram tanto que já tem havido problemas com os imigrantes porque as pessoas sentem-se com medo, sentem-se um bocado indecisas sobre sair à noite. Vejo que as pessoas já não saem tanto à noite porque encontram muita dessa malta, que nem é preta, nem branca, são esquisitos.
- Temos que acabar com as pessoas que andam a roubar isto. É só corruptos e ladrões. O nosso Governo tem sido só corruptos e ladrões. Eu gostava até um dia de estar junto do André Ventura para o cumprimentar pessoalmente, para lhe dizer que ele é um homem com força e diz as coisas como um homem.
Olhando para o universo dos votantes do Chega que antes votavam noutro partido, o Partido Socialista é o que mais se destaca. Logo a seguir vêm PSD e CDU.
Voz do povo:
- Não tinha partido. Era muito raro votar. Muito raro. Votei uma vez no PS, mas depois vi que eles eram ainda piores que os que lá estavam. (...) E acabou-se. Desde que começou o Chega, votei sempre no Chega.
- Antes de votar no Chega, votava no PS, mas o PS ultimamente desiludiu-nos a todos. Devido à imigração que está a vir para cá. Não sou contra os imigrantes, nada disso, não sou racista, mas tudo o que é demais é demais.
- Já votei em vários partidos consoante o programa eleitoral. [Com base nisso] em 2024 votei no PAN.
- Praticamente quase nunca votei. Votei uma vez ou duas, talvez no PS, mas houve uma série de eleições em que até não votei. O André Ventura é frontal, não tem medo e diz as coisas que deve dizer, enquanto os outros estão a encobrir e depois os resultados são o que a gente vê: é a corrupção, é o desgoverno que o nosso país tem.
- Andamos a ser enganados há 50 anos pelo PS e pelo PSD. Numas eleições estão lá uns, nas outras vão os outros e vice-versa. Tem sido assim sempre. E estamos a sofrer toda a vida por isto. Antes votava quase sempre PCP, mas no ano passado já votei Chega.
- Tenho 41 anos. Nunca votei. Só votei desde que comecei a ouvir o Chega.
Três em cada quatro eleitores ouvidos pelo Observador já tinham votado Chega há um ano.
Mais de metade dos eleitores do Chega admitem continuar a votar no partido caso André Ventura saia da liderança. Um quinto diz claramente que não o faria.
(...)
A esmagadora maioria dos eleitores admitem voltar a votar no Chega. De um universo de 60, 56 deram essa certeza e só quatro não conseguem dizê-lo de forma taxativa.
(...)
A maioria dos eleitores do Chega ouvidos pelo Observador tiveram familiares ou amigos que sentiram necessidade de emigrar por não terem boas condições no país.
Apesar de todos falarem em insegurança, e terem a percepção de que aumentou, a esmagadora maioria dos eleitores (80%) não foi vítima de nenhum crime nem conhece ninguém do seu círculo que tenha sido.
Voz do povo:
- Os crimes piores que temos aqui [Beja] são de tentativa de furtos, que são os indivíduos de etnia cigana. Tivemos uns indivíduos que me assaltaram o escritório há cerca de três anos, mas são romenos, vêm para cá nos grupos de trabalho e depois vêm só com a intenção de furtar, roubar.
- O carro do meu marido já foi assaltado três vezes. Já roubaram na minha rua também alguns catalisadores, jantes, pneus. Casas também já foram assaltadas, infelizmente.
- Aqui em Albufeira há violações todos os dias por pessoas imigrantes que fazem esses crimes.
- Roubaram-me um carro. E não era português.
A esmagadora maioria dos eleitores do Chega ouvidos pelo Observador (83.3%), quase a mesma percentagem que não foi nem conhece ninguém vítima de um crime, considera que existe uma ligação entre imigração e criminalidade.
Voz do povo:
- A criminalidade aumentou depois que essa gente [imigrantes] para cá veio. A gente vê que eles vieram para fazer distúrbios. Mesmo aqui em Quarteira, vieram para fazer distúrbios. Assaltos, carros partidos, vandalizarem as coisas.
- Nota-se cada vez mais a ligação entre imigração e criminalidade. Mulheres e crianças já não podem brincar nos parques, como é o caso deste parque que temos aqui ao pé. Não podem ir dar a sua volta à noite, como todas as vezes iam, porque isto [a imigração] gera um bocado de medo. As pessoas já não podem ser livres, como sempre fomos aqui na nossa terra. Muita gente deixa mesmo de fazer [a vida normal] derivado a perseguições a mulheres, a crianças que saíam da escola…
- Claro [que há uma ligação directa entre aumento da imigração e criminalidade]. Então se eles vêm de uma cultura completamente diferente da nossa. Eles acham que chegam aqui e podem fazer o que querem e bem entendem. Ainda por cima, nós até pagamos para eles fazerem essas porcarias.
- Antes [os imigrantes] vinham para cá trabalhar. Agora há aos 50 e 60 sem fazerem nada. Eles já não querem trabalhar também. Já alguém está a pagar para eles não trabalharem. Associado a isso, começa a vir o crime, o vandalismo…
Pouco mais de 58% dos eleitores do Chega ouvidos pelo Observador têm uma situação financeira confortável. Os restantes (uns ainda significativos 41,7%), não.
Apenas um em cada 10 eleitores do Chega ouvidos pelo Observador para este trabalho foram à missa nas últimas semanas. 80% assumem-se como católicos, onde estão os 10% que foram a cerimónias religiosas recentemente. Há 20% de não católicos na amostra.
Faltam poucos minutos para as quatro da tarde de segunda-feira e já toca Guns N' Roses, com Sweet Child O' Mine, no Scarlet Fox, em Albufeira. Lá dentro, Tomás Barreto vai fazendo scroll no telemóvel, sentado num dos sofás bordeaux que combinam com os candeeiros. O bar é para abrir nas calmas, os clientes só chegam mais tarde. As tradicionais canecas com marcas de bebidas alcoólicas estão penduradas em cima do balcão ainda escuro. Filho de mãe australiana a viver nos Açores, Tomás tem no tom da pele o bronze de quem sempre viveu a poucos metros da praia e na voz a calma de quem leva a vida devagar. Não gosta de tudo o que tem à volta. Não pensa emigrar, ao contrário de vários amigos. Sempre viveu e estudou no sul do país. Está a fazer uma pausa no curso de Ciências do Desporto, ao mesmo tempo que se dedica ao bar que abriu com o tio. Não sabe quando nem se volta a sentar-se numa mesa da faculdade.
Fala do bar como um espaço tranquilo, com boa música para ir beber um copo com os amigos. Aquela calma que tantas vezes considera faltar em várias ruas de Albufeira, com destaque para a Rua da Oura, que desperta emoções fortes em quem por ali vive. Já lá vamos. Aos 21 anos, Tomás só conhece um sentido de voto: Chega. E repetiu-o nas duas eleições em que participou. No caso do algarvio será melhor dizer que confia o voto directamente a André Ventura, já que não consegue propriamente destacar outros dirigentes do Chega. Entre risos, reconhece: “Não vejo muita política, mas quando vejo o Chega só me vem à cabeça o André Ventura.”
Tal como muitos dos eleitores mais novos, Tomás Barreto, apesar de não ser propriamente interessado por política, encontrou no Chega um refúgio para depositar o voto, cativado pelo discurso de André Ventura no que à imigração e à comunidade cigana diz respeito. Justifica-se com o facto de “muitas pessoas virem de fora, tal como as pessoas da etnia cigana, e terem muitas regalias e subsídios”, fazendo uma comparação directa, dizendo que “o Estado não apoia tanto as pessoas que trabalham e se esforçam”.
A emoção, alimentada pela percepção de insegurança que se vive nas ruas de Albufeira, sente-se em cada relato, principalmente quando se arruma o microfone. Rosa Meireles está dentro da pequena cozinha do café de que é dona, em Albufeira, e não consegue convencer o filho a contar o que o levou a votar no Chega. Insiste, sem sucesso. Sem o microfone ligado, o jovem que prefere não ser fotografado lá vai assumindo que não vê nenhum outro partido no país que olhe pelos jovens, e permita sonhar com mais oportunidades. Começou por votar em Ventura por acreditar que os partidos mais pequenos precisam de força para impor ideias; agora, “com o poder que lhe deram”, espera para ver, reconhecendo que enquanto o Chega não alcançar o Governo não poderá ser julgado por não conseguir implementar as propostas que fez nos últimos anos.
A mãe, Rosa Meireles, não se esconde da crença nem do voto do passado. Foi eleitora convicta da CDU durante toda a vida e 2024 tornou-se o ano da mudança. Foi a segunda vez que votou Chega para as legislativas e destaca o que considera a “falta de controlo da imigração” como o impulso para sonhar com o abanão tantas vezes prometido por André Ventura. Já foi emigrante e levanta a voz para assegurar que “não é contra os imigrantes”, deixando escapar que “há muitos que vêm para cá e não trabalham”.
A narrativa de que os imigrantes são bem-vindos desde que estejam legais e a trabalhar ecoa na voz dos votantes do Chega, bem como a percepção de que muitos vivem à custa de subsídios. “Estão aí muitos imigrantes e andam todos a roubar o Estado”, refere Rodrigo Santos, de 19 anos, que deixou os estudos quando frequentava o 10.º ano e preferiu juntar-se ao pai na oficina de mecânica, em Olhão. Enquanto tenta perceber o que se passa com o carro que está no elevador da oficina, o jovem, de lanterna na cabeça, vai destacando o tema da habitação para dizer que não há incentivos para as gerações mais novas. “Não há ajudas, não há nada”, reitera, apesar de o Governo ter implementado várias medidas para a aquisição de casas por parte dos jovens até 35 anos. Para Rodrigo Santos, os apoios que existem não são suficientes para fixar os mais novos e considera mesmo que o Estado “só quer dar casas aos estrangeiros que vêm para cá receber subsídios e os portugueses que precisam de casas não conseguem”.
O discurso do pai, António Santos, não anda longe. Tem 41 anos, foi abstencionista a vida toda e só começou a votar à boleia do discurso de André Ventura, já em 2022 — fenómeno amplamente confirmado nos vários locais que deram vitórias a Ventura. Não é de muitas palavras, ainda que tenha o dedo apontado aos imigrantes: “Era obrigá-los a cumprir as regras, como toda a gente.”
A poucos quilómetros de distância, ainda no Algarve que se tornou bastião do Chega, João Alves considera que é preciso um murro na mesa que trave o “excesso de abusos e de imigração”. Antigo militar nos Comandos, que votou sempre no PSD, é o responsável pela exploração do restaurante nas instalações dos Bombeiros de Portimão, tem seis empregados e queixa-se da falta de gente para contratar. Anda há seis meses à procura de alguém para trabalhar na grelha. Não encontra e, por isso, está ele mesmo a tratar do assunto. Atrás do balcão e na cozinha tem empregados de várias nacionalidades e já teve mais: “Ainda agora foram dois embora, cumpriram os seis meses e ficaram chateados comigo porque renovei o contrato e não quiseram. Foram-se embora porque queriam ir para o fundo de desemprego. Ou seja, vieram para cá viver dos nossos impostos, do nosso trabalho. E eu, como tenho a idade que tenho e trabalhei sempre e paguei sempre os meus impostos, chateio-me com essas situações.”
João Alves vai desabafando, não entende que numa cidade que vive do turismo, como é o caso de Portimão, se permitam “filas intermináveis de gente que não respeita as regras, que não respeita a nossa bandeira, que não percebe o nosso carácter”. E, preocupado com o futuro, reconhece estar “desagradado” com a falta de respeito que vê em certos imigrantes, aponta à falta de policiamento nas ruas e justifica que, sempre que os polícias actuam, os suspeitos acabam soltos pela justiça — uma alusão muito semelhante à usada por André Ventura quando diz que os criminosos saem da esquadra antes dos polícias, que ficam a preencher papelada.
Na generalidade, entre os eleitores do Chega há uma percepção de que o aumento da imigração proporcionou um aumento da criminalidade — dado não confirmado nos relatórios oficiais, até porque não era permitida a inclusão da nacionalidade dos autores dos crimes e das vítimas. A regra foi alterada pelo Parlamento e apenas terá reflexo nos documentos que serão publicados no futuro. Porém, é raro o votante do Chega que não profere a palavra “medo” ou “receio” quando o tema é andar na rua ou sentir-se bem nessa ideia de normalidade, principalmente à noite. Os números de imigrantes a viver na região do Algarve não estão actualizados. Os dados oficiais de 2021 apontam para mais de 105 mil e, segundo uma reportagem da SIC, em Março de 2024 um quarto dos residentes do Algarve já eram estrangeiros (embora o valor inclua também, naturalmente, os ingleses ou holandeses que escolheram a região como morada para passar a reforma). O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) revelou que a criminalidade violenta e grave no Algarve aumentou 9,9% em 2024, face ao ano anterior, em contraste com a descida ligeira na criminalidade geral. Sendo que o distrito de Faro foi o quarto com mais participações de crimes, logo a seguir a Lisboa, Porto e Setúbal. A maior incidência foi registada em Loulé, Albufeira, Faro e Portimão — destes quatro concelhos, o Chega só não ficou em primeiro lugar em Faro.
Depois de repetir a vitória no Algarve, o Chega estendeu o resultado ao Alentejo. É lá que estão Maria Palma e quatro amigas, sentadas à porta do Instituto Politécnico de Beja — um dos círculos eleitorais em que o partido liderado por André Ventura venceu. Todas votaram no Chega, a mais velha pela segunda vez. O medo passou a ser presença constante na vida de cada uma delas. Afirmam que a liberdade natural da idade — desabafa a mais desinibida — vai sendo castrada pelo medo que sentem nas saídas à noite, nos regressos a casa, na impossibilidade de escolherem sair sem homens.
Conversa-puxa-conversa e uma delas recorda uma noite em que foi perseguida por “cinco imigrantes” quando seguiu a pé desde o bar Country, onde habitualmente se juntam, até casa. Todas se lembram da aflição, mais ainda a mãe que, ao telemóvel, assistiu a tudo. “Comecei a correr e seguiram-me, estava com medo. Acabei por ir por entre prédios a pensar que, se gritasse, iriam ouvir-me. Acabei por entrar num prédio que não o meu, não queria que soubessem onde vivo. Fiquei meia hora à espera que saíssem dali”, recorda uma das estudantes de Agronomia. Mas há mais: sentem-se observadas e rodeadas na noite, de tal forma que já se recusam a sair à noite sem a presença de homens no grupo. Maria Palma é uma das eleitoras do Chega que consideram que em Beja há uma ligação entre o aumento da imigração e a criminalidade e ninguém por ali tem uma versão diferente.
Apesar de o RASI de 2024 dar conta de que foram registados menos crimes no distrito de Beja, e de que é o sexto distrito mais seguro de Portugal, o sentimento nas ruas é outro. Miguel Água-Doce — em tempos votou CDU, acabou na abstenção e só saiu do sofá para votar em Ventura — dá conta das ruas vazias por Beja, crente de que “a população refugia-se em casa” e que já “não anda na rua como andava”. Mesmo que não o sinta na pele, ouve relatos de quem tem crianças ou mesmo dos mais velhos, que preferem não sair à rua a partir de certas horas.
Em Vila Franca de Xira, dois aficionados da tauromaquia, ambos reformados, apontam exactamente no mesmo sentido: as ruas ficam praticamente vazias pouco antes da hora do jantar. “Os portugueses aqui fecham-se todos em casa”, conta João José Vieira Pedro, sentado no Clube Taurino Vilafranquense, do qual é fundador, com uma cabeça de toiro embalsamado por cima da cabeça. Revoltado com aquilo que Ventura foi descrevendo como uma “política de portas abertas”, o antigo toureiro acredita que se “deixou entrar toda a gente sem se saber como é que as pessoas vinham para cá, o que vinham cá fazer, se havia trabalho”. Considera uma “vergonha” que tenham entrado “malandros” e não lhe custa reconhecer que são precisos imigrantes no país, o que o leva a jogar mais uma das cartadas do Chega: “Tem de ser com regras.”
Um pouco por todo o país, frases completas de André Ventura saem como música da voz dos fiéis do Chega. De volta a Beja, Miguel Água-Doce, nascido e criado na capital do Baixo Alentejo, viajou pelo mundo, fala quatro línguas, tinha uma empresa na área da decoração e viu tudo a desabar com o impacto da crise de 2008. Teve de emigrar, esteve em Angola e regressou. Abriu um novo negócio, no mesmo ramo, em 2015.
Após anos e anos na abstenção por não se identificar com nenhum partido ou político, foi o Chega que o levou a voltar a votar. Antes de se desiludir com a política, votou na CDU, com foco no PEV, pela veia de ambientalista que o Alentejo lhe deu. Mas a vida deu muitas voltas. “Sem querer, dei por mim a ouvir as palavras do André Ventura e comecei gradualmente a identificar-me cada vez mais, comecei a analisar, até que decidi que efectivamente valia a pena arriscar, porque Portugal tem que conhecer aquilo que é diferente”, explicou, acrescentando que viu no Chega um partido pelo qual considera valer a pena dar a cara. Compara-o ao amor: ou se arrisca ou jamais se saberá no que podia dar.
Por falar em amor, já não é novo que o Chega conquistou o coração de muitos jovens nas redes sociais, mas há um outro sintoma no eleitorado: pais desligados da política que são arrastados pelos filhos. Os relatos vão acontecendo por todo o país, uns mais tímidos do que outros. Um deles é o caso de Sofia Barata, que está numa bomba de gasolina, abrigada do calor abrasador que se faz sentir em Almeirim por estes dias. Aos 36 anos, reconhece que “votava à toa”, entre PS e PSD, antes de a filha de 11 anos — que por esta altura está afundada na cadeira em vergonha — lhe apresentar André Ventura, que começou a seguir nas redes sociais. “É uma apaixonada por ele”, conta a mãe, empregada de mesa, enquanto tira o telemóvel para, orgulhosamente, mostrar uma fotografia da filha ao lado do presidente do Chega.
Na imagem, a criança está em cima de um pequeno palco montado no final de uma arruada em Santarém, no arranque da última campanha eleitoral. Está preocupada com o futuro da filha, revoltada com quem “vem para cá” e tem “grandes apoios e ajudas” e promete continuar a ir às urnas para votar no Chega até a convencerem que há algo melhor. E vai, desta vez, por convicção. Longe vão os tempos em que as cruzes entre sociais-democratas e socialistas eram apenas para cumprir dever. A filha está deserta por fazer o mesmo. Aliás, o fenómeno vai-se vendo na loucura dos jovens à passagem de André Ventura. Na campanha, é flagrante: apesar de ainda não terem idade para votar, seguem o líder do Chega, pedem selfies e autógrafos como se de uma pop star se tratasse.
Por falar em campanha eleitoral, recuemos no tempo até esses dias. André Ventura está a chegar ao fim de uma arruada em Aveiro e um pequeno grupo de ciganos começa a dirigir palavras de ordem como “fascistas” e “racistas” na direcção da comitiva do Chega. O líder do partido, surpreendido e sem reacção imediata, resumiu a ideia a um “têm todos de trabalhar”. O que parecia ser um episódio pontual tornou-se num hábito nos dias seguintes — e foi valioso para Ventura. De tal forma que a presença de ciganos nas acções de campanha do Chega permitiu recuperar a primeiríssima bandeira do partido — uma cartada usada por Ventura quando ainda era candidato do PSD a Loures — que tinha deixado de ter grande palco.
Os protestos serviram de gatilho para a questão ser recuperada e, no rescaldo, são muitos os eleitores do Chega a assumir que os problemas com a comunidade cigana e o tema da subsídio-dependência foram um alicerce forte para o voto em Ventura. A começar no Algarve, passando por zonas específicas do Alentejo, seguindo para Setúbal e Santarém, não há dúvida de que o discurso contra os ciganos continua a valer votos.
Fernanda Sousa acaba de parar numa bomba de gasolina em Fazendas de Almeirim. Vem numa carrinha de nove lugares lotada. Trabalham no campo e é costume pararem ali em dias mais quentes para refrescar com um gelado. Acredita que é preciso uma “mudança” no país e não se inibe quando é para especificar: “Tudo!” Da saúde à segurança, vai dizendo que Ventura tem razão em tudo o que diz. É uma das eleitoras do Chega que nunca votou antes de o partido existir. Tem o marido emigrado e isso tem um peso na cruz que fez no boletim. Não consegue “estabilidade” nem tampouco ter uma “vida desafogada”. Ao lado, ouve Sofia Barata, que também por ali está, a criticar a comunidade cigana.
Na carrinha prepara-se para entrar novamente uma outra trabalhadora, sem antes avisar os eleitores do Chega que por ali estavam: “Sou cigana e trabalho o ano inteiro no campo.” Sem se identificar, queixou-se do discurso de André Ventura, argumentando que coloca a comunidade toda no mesmo saco, alimentando um discurso de ódio. Dirigindo-se directamente para a colega, garantiu que muitos dos que vivem naquela zona de Almeirim trabalham no campo e que “os ciganitos mais novos foram todos para Lisboa para o McDonald’s e a Uber”. Fernanda Sousa vai repetindo vezes sem conta: “O que o André Ventura diz é que têm de trabalhar, tu trabalhas, isto não é contigo.”
E aquilo que diz reproduz-se (e muito) por todo o país, principalmente em localidades onde existe uma maior presença de comunidades ciganas. Há sempre uma história, uma altercação, uma queixa. No fim, o discurso de Ventura está na boca de cada um: “Todos têm de trabalhar.” O tom de Mário Domingos, visivelmente zangado com o estado de Portimão e do país, é sinal disso mesmo. Mistura imigração com ciganos e lá vai concluindo que esta comunidade “é o problema que existe na zona”, que “a Praia da Rocha está infestada de ciganos de manhã à noite a chatearem os turistas”. Diz sentir-se frustrado com a incapacidade de os partidos que governaram a região ao longo dos últimos 50 anos fazerem algo de bom pelos locais (e para que os turistas não fujam) e assegura que foi isso que o levou a mudar o voto. Há um ano já votou no Chega, mas costumava apoiar o PSD. Quando começa a exaltar-se a falar do tema, a mulher, que estava atrás do balcão e se foi aproximando tomada pela curiosidade, pede que se acalme. Que se cale. Tem medo que lhe venham bater à porta, assume. E mais não diz.
As queixas sobre a comunidade cigana existem um pouco por todo o país. Principalmente no país em que o Chega conquistou vitórias. António Carmo, que tem um stand de carros em Beja, continua a alimentar o sonho de ver a cidade crescer e sair da cepa torta. Ambiciona que uma das estradas que liga o Alentejo e o Algarve se torne paragem obrigatória para quem por ali passa, com comércio e serviços. Fica transtornado ao falar do negócio que tem parado, já recebeu o sinal para vender o espaço, investiu noutro e tem tudo parado há três anos. Culpa a “bola de ping-pong” em que a câmara atribui responsabilidades às Infraestruturas de Portugal, estas dizem que só a câmara tem poder e a autarquia garante que o projecto já está no Governo. Que, por sua vez, remete de novo a responsabilidade à câmara municipal. Apesar da situação desconfortável que o leva a estar descontente com a política – por considerar que a governação local levou à estagnação de Beja – o empresário também está descontente com a situação da comunidade cigana. “Os piores crimes que temos aqui são tentativa de furtos, que são os indivíduos de etnia cigana”, garante o empresário, que diz ter sido vítima no seu próprio stand. E acaba por estender as acusações aos imigrantes, até “para contrariar” o director da Polícia Judiciária e as palavras que não esquece. Em causa estão declarações de Luís Neves na Assembleia da República, quando assegurou que a criminalidade violenta é mais baixa entre imigrantes do que entre nacionais — “Nós continuamos, infelizmente, com muitos homicídios e com muitos crimes de violência doméstica no país. Esses crimes, em 90% (dos casos), são cometidos por cidadãos nacionais.” Durante essa audição, o director da PJ recusou a ideia de que há uma ligação entre a criminalidade e a imigração, argumentando que há “menos estrangeiros detidos” do que portugueses, em proporção. Os eleitores do Chega não têm problemas em desmentir e dizer, tanto no caso dos ciganos como relativamente aos imigrantes, que são as populações que sentem na pele o que se passa. No fundo, vão confirmando que as percepções acabam por contar mais do que os números oficiais, até porque não acreditam neles.
Do outro lado da história, entre os homens das fardas que votam no Chega — tanto agentes da PSP como militares da GNR o confirmaram durante este trabalho e se recusaram a falar devido ao impedimento da profissão —, há quem compreenda a revolta das pessoas, argumentando que não são autorizados a colocar nos autos a etnia ou nacionalidade dos autores dos crimes — uma realidade que deverá alterar-se agora que foi aprovada a inclusão da nacionalidade de autores e vítimas no RASI. “É preciso dar um murro na mesa”, comentava um deles, à civil, crente de que há limites e que estes foram atingidos. Além disso, o agente da PSP também garantiu que se nota um aumento da criminalidade junto de certas comunidades e nacionalidades, alertando para o facto de esta ser uma realidade que se vai começar a sentir cada vez mais.
Além das associações a crimes, há também uma colagem constante da etnia cigana à subsídio-dependência — mais um argumento do Chega que é repetido pelo país. Mariano da Conceição tem 60 anos, é pintor e trabalha para a autarquia de Portalegre, e assume que era “muito raro votar”. Recorda-se de “uma vez” ter votado no PS, porém só as promessas de André Ventura o levaram a voltar a acreditar na política. Desde logo por considerar que uns trabalham para os outros — como diria Ventura, para alguns “andarem à mama”. “A gente sabe que cá em Portugal também há muitos que não querem trabalhar. Querem é subsídios disto, subsídios daquilo. A etnia cigana é uma delas. E na nossa etnia também há, não é só eles, mas eles são os piores”, sublinha. Mais do que isso, acusa os elementos da comunidade cigana de muitas vezes entrarem em “zaragatas”, o que, aos seus olhos, serve para que lhes “ofereçam tudo” quando “não fazem nada”. “Se os mandarem trabalhar, eles dizem: trabalha tu. E é assim que o nosso país funciona.”
Manuel Vilhena, taxista em Olhão, votou pela primeira vez no Chega nas últimas eleições. Durante toda a vida nunca se absteve e em 2024 ainda confiou no PS. Aos 62 anos, está reformado e continua a trabalhar. Gostou da postura de André Ventura durante a campanha eleitoral, quando “não se acobardou” nos protestos da comunidade cigana e resolveu dar-lhe o “benefício da dúvida”.
Já Manuel Matos, empresário da construção civil na zona de Almeirim, não costumava votar com regularidade, de vez em quando apoiava os socialistas, mas também acreditou em André Ventura. Neste caso nem sequer foi a primeira vez que viu no Chega o partido que poderia proporcionar a mudança. Como empresário, recorda que passou a vida “sempre a trabalhar”, desde os nove anos, começou a descontar para a Segurança Social aos 13 e indigna-se com a carga fiscal que existe em Portugal. “Só estão contra o André Ventura as pessoas que são parasitas, que estão a viver à conta dos outros e que não fazem para a vida”, atira o empresário, sentado num café gerido por uma ucraniana a viver há mais de 20 anos em Portugal. Também ia votar no Chega, mas ao domingo é dia de fazer cozido à portuguesa e, com muita pena, não teve tempo. Espera não falhar da próxima vez, já que considera que só o Chega pode ter mão no país, nomeadamente na imigração descontrolada. Não é a única estrangeira a pedir o mesmo.
Érico Pereira, motorista, é brasileiro, vive há 20 anos em Portugal, e não tem dúvidas de que só há um voto correcto para os imigrantes que estão no país e cumprem as regras: o Chega. A aguardar o próximo serviço, em Algueirão Mem-Martins, justifica que se chegou a um ponto em que “está difícil para os imigrantes, está difícil para os locais, e o país não suporta o excesso de imigração”. Muitas vezes tem até discussões com amigos portugueses por defender André Ventura, quando recordam que Portugal é um país de emigrantes, mas não muda de ideias. Aliás, é um dos que está com Ventura bem desde o início, quando o partido entrou com um deputado único na Assembleia da República.
A posição dos dois reflecte as intenções de quem não votou. Um pouco por todo o país houve imigrantes, principalmente brasileiros, que foram reconhecendo que ainda não podem votar mas que, se e quando conseguirem, a confiança será depositada em Ventura.
Regressamos a Almeirim, à conversa com o empresário Manuel Matos, que insiste que “os ciganos estão a receber os rendimentos mínimos” e que é preciso o país fazer algo para travar a subsídio-dependência. Tem uma sugestão: todos têm cartões de cidadão, pelo que considera que deve ser feito um levantamento de todas as contribuições das pessoas que estão a receber o RSI. “Era ir às finanças com o número de contribuinte deles e ver quanto é que os ciganos já pagaram de impostos para o Estado. Fazia-se uma lista de todos os ciganos e dizia-se ‘vocês todos juntos pagaram X de impostos’. Não pagaram nada, portanto, não têm direito a nada”, conclui, crente de que André Ventura ainda não se lembrou desta ideia e que deve promovê-la.
Um pouco por todo o país notam-se várias tendências: o Chega levou às urnas cidadãos que nunca tinham votado; recuperou ex-eleitores convictos que se sentiram desiludidos com a política durante anos e anos e levou muitos a sentirem-se novamente apaixonados politicamente por um líder partidário. Além disso, alcançou um eleitorado que tradicionalmente decide eleições, que antes oscilava entre o PS e o PSD — se há pessoas que quase prometem voto eterno a Ventura, também há quem admita voltar a votar dependendo do que o Chega fizer e apresentar daqui para a frente. Mais ainda: uns alimentam a tese de que manterão o voto “se Ventura continuar a dizer as verdades”; enquanto para outros o líder do Chega “precisa de se moderar um pouco” — um equilíbrio difícil que Ventura tem procurado fazer nos últimos anos, numa tentativa de não perder o eleitorado zangado que tinha virado as costas à política e de ir buscar mais pessoas que permitam ao Chega alcançar o estatuto de partido de governação.
Paulo Alfaiate é taxista em Setúbal, tem 56 anos, e foi um dos desiludidos com a política a quem André Ventura deu uma boleia de regresso. Votou em Passos Coelho duas vezes e quando António Costa levou a cabo a geringonça sentiu o seu voto “ostracizado, roubado, enganado”. “Senti-me completamente enganado pela democracia”, confessa. Na altura, olhou para todo o processo como uma “manipulação” e hoje recorda-o “quase como um assalto ao Governo”. Frustrado com o sistema, não votou nas eleições seguintes, afastou-se da política e quando se apercebeu da existência de André Ventura já o Chega estava no Parlamento. Agora considera que se “critica demais um partido que não governa”, que é um “partido de oposição, confronto e ideias novas” e atira-se aos comentadores, desde logo ao mais recente momento televisivo em que Daniel Oliveira, na SIC Notícias, disse que desejava que o Chega morresse — uma morte política, leia-se. Paulo Alfaiate não entende o “ódio” e não acha normal que “ninguém diga nada”. “Uns dizem o que querem e o que lhes apetece e qualquer pessoa do Chega que diga qualquer coisa é crucificado. Isto não é democracia. Isto demonstra a sociedade em que nós vivemos”, sublinha, crente de que “o poder central” está a “sentir o tapete a sair debaixo dos pés” e “tem medo de perder os tachos e amiguismos”. Tudo expressões que poderiam sair directamente da boca de André Ventura.
Com seis anos de vida, o Chega rompeu o sistema bipartidário português, André Ventura chegou ao estatuto de líder da oposição ao ultrapassar o PS em número de deputados e esse crescimento nota-se num pormenor: o voto da vergonha, que até chegou a prejudicar sondagens, é cada vez menos evidente. Porém, há uma conclusão a retirar dos vários dias em que o Observador foi ao encontro de eleitores do Chega: existe receio de assumir publicamente o voto. Menos do que no passado, mas este fenómeno não desapareceu.
Destacam-se duas situações: pessoas com negócios e outras com medo de represálias (normalmente em zonas em que as comunidades ciganas existem ou onde há mais imigração — pelo menos são estas as razões que apresentam). O Chega venceu em 60 municípios a nível nacional e, porta a porta, vão-se encontrando as mais diversas justificações. Curiosamente, há uma que supera a ideia de que “o voto é secreto”: “Tenho uma porta aberta.” Apesar de assumirem que a cruz foi colocada no quadradinho do Chega, sempre com muito mais orgulho do que vergonha, os comerciantes consideram que podem vir a ser prejudicados, desde logo porque “têm clientes de todos os partidos que podem chatear-se”, como admitiu um eleitor em plena terra natal de André Ventura, Mem-Martins. Vai-se ouvindo também que “convém não estragar as boas relações com a câmara”; que “há clientes que levariam a mal”; ou que poderiam “sofrer represálias”.
“Ainda me vêm aqui partir isto”, desabafa um empresário da restauração em Portimão; “sou trabalhador na junta e não posso ficar sem trabalho”, atira outro de uma terra próxima, que não quer que seja referida, jurando que perderia o emprego; mesmo ao seu lado, uma feirante explica que deve dinheiro à câmara pelo espaço num mercado e acredita que seria “logo corrida” se dissesse que votou em Ventura. “A liberdade de expressão neste país não é para todos e temos receio”, conclui em jeito de desabafo uma esteticista em Algueirão Mem-Martins, enquanto enumerava todos os que por ali estavam e tinham votado em Ventura. Ninguém falou. Estes são apenas alguns entre as centenas de eleitores que confessaram ao Observador que votaram no Chega, mas quiseram manter-se anónimos.
As negas são mais do que muitas e se é verdade que o secretismo do voto seria mais do que suficiente para as justificar, também é verdade que o medo e o receio são os argumentos mais batidos. No fim do dia, uma coisa é certa: por muito que o voto seja escondido, por uma razão ou por outra, e por muito que se continue a dizer, em terras algarvias e alentejanas, que “isto aqui é tudo ferrenho do PS (ou juntas-te a eles ou já foste)”, o resultado final demonstra que não é bem assim — ou melhor: demonstra que não é nada assim. As terras que em tempos foram de ferrenhos socialistas a até comunistas, hoje são de ferrenhos de Ventura e estão pintadas a azul escuro — e isso já ninguém tira ao Chega.
Além dos negócios, há um outro impedimento: fardas. Agentes da PSP e da GNR que assumem o voto, bombeiros que mostravam concordância com Ventura, familiares que o confirmam e até polícias à civil que não se importam de falar e explicar as razões. Mas nunca dar a cara, muito menos tirar uma fotografia — aliás, a máquina fotográfica também foi afastando diversos eleitores que admitiam falar e dar o nome, enquanto a mesma abertura não funcionava para a imagem.
Entre fardados, apenas um bombeiro sapador aceitou falar, num momento em que não estava em funções. E já depois de vários terem confirmado a mesma opção. Durante uma pausa de um passeio de bicicleta, em Alenquer, Gil Ribeiro, que trabalha em Lisboa, considera que há vários direitos da população que estão a “ser esquecidos”, a começar pelo facto de “todos devermos ser tratados da mesma forma” e apontando para a necessidade de “desmistificar um bocado aquilo que é o privilégio encapuçado de algumas elites”. Não se estendeu muito de microfone ligado, chegou mesmo a travar ideias, mas reconheceu que a profissão lhe dá acesso a realidades “desfavoráveis” ou mesmo “críticas” no que toca a crimes. Ainda assim, não arrisca fazer uma ligação entre aumento da imigração e criminalidade. Deixa só no ar que “futuramente poderá acontecer”.
É uma das grandes questões que se mantém sobre o Chega, principalmente agora que o partido alcançou a liderança da oposição e entrou no campeonato dos grandes. Nas ruas — e isso foi possível confirmar durante a campanha eleitoral — já há quem reconheça outros protagonistas, quem pergunte por eles quando não estão e até a campanha prosseguiu nas ruas quando André Ventura teve um problema de saúde e faltou a arruadas. Seja como for, sentiu a necessidade de entrar através de videochamada e apareceu para o encerramento. Dentro e fora de portas há uma certeza: André Ventura é só um e mais nenhum, o que não significa que esteja sozinho. Foi esta questão que levou os eleitores do Chega a responderem directamente a uma pergunta do Observador: “Votaria no Chega se o líder não fosse André Ventura?” Se avaliarmos o “sim” vs. o “não” ou “não sei”, há praticamente um empate. A maioria confirma que o faria (alguns sem grande convicção) e vários fazem questão de acrescentar sim, mas “se o partido mantivesse as mesmas ideias” ou “dependia de quem fosse o líder”.
Por outro lado, também há quem admita que o “carisma” de Ventura seria difícil de igualar, que a “garra” que demonstra dá votos e que tem um “discurso que sabe conquistar as pessoas”, numa assunção de que o partido teria de cavalgar muito para manter a mesma base eleitoral se o fundador alguma vez fosse substituído. Prova disso é que as palavras Chega e Ventura se confundem e, à excepção de uma minoria, poucos são os que conseguem dizer o nome de outro dirigente do Chega. A descrição física ajuda alguns, que confirmam imediatamente o nome quando o ouvem, mas não o conseguem dizer sem ajuda. Seja como for, entre os que vão sendo destacados por poucos estão Pedro Pinto, Rita Matias, Pedro Santos Frazão ou Bruno Nunes.
A verdade é que André Ventura conseguiu o que nunca tinha sido alcançado em Portugal: um partido superar PS ou PSD no segundo lugar em termos de deputados e pintar a azul escuro praticamente todos os distritos a sul de Lisboa (excepção para Évora). Sendo que também em Santarém e Lisboa conseguiu importantes vitórias. Os eleitores do Chega assumem essencialmente que estão cansados e fartos de um sistema de 50 anos em que a governação foi sempre repartida entre PS e PSD. “Não há solução. Entre PS e PSD já não há solução, porque eles próprios já não conseguem controlar o sistema tão grande que criaram. Tem que ser alguém que diga que isto tem que se limpar”, refere Paulo Alfaiate, que é apenas uma das muitas vozes que estão crentes na mudança prometida por André Ventura.
A “oportunidade” que tem vindo a pedir é outra das palavras que entrou no léxico dos eleitores do Chega. “Desde o 25 de Abril, enquanto houve dinheiro, fizeram-se estradas, escolas, hospitais, pontes, que ainda hoje temos. Daí para cá, tem sido só a descer. Porque é que não lhe devemos dar uma oportunidade?”, questiona Eurico Matos, que se fartou da falta de condições salariais e, aos 42 anos, acabou de abrir uma loja de ferramentas em Fazendas de Almeirim. Chegou a votar no PS, mas maioritariamente abstinha-se. Agora, depois de ter estado emigrado na Suíça e de ter regressado, nota que há um “descontentamento com a situação política do país, que está horrível”.
É o caso de Gonçalo Tomé, de 27 anos, que é operador de máquina retrátil. Queria ir para a faculdade estudar gestão de empresas e sair de casa dos pais e ainda não conseguiu devido à situação financeira. Queixa-se da crise na habitação, da falta de condições para os jovens e apercebeu-se de que era preciso fazer algo. Interessado por política, chegou a votar no PSD de Rui Rio, mas nunca confiou em Luís Montenegro (que diz ser “arrogante” e muito agarrado a Cavaco Silva) para lhe dar o seu voto. Quer futuro e não ventos de passado e, apesar de até gostar da Iniciativa Liberal, o Chega despertou-lhe uma sensação de “defesa dos jovens”. “É impossível viver sozinho, é impossível juntar dinheiro, há nove tabelas de IRS, uma pessoa que recebe o mínimo tem que estar sempre a juntar um dinheirinho. Olhe, eu consegui juntar 200 euros e depois perdi-os para os impostos”, conta, dando exemplos de economias como a do Luxemburgo e Suécia para rematar: “Portugal tem que perceber que pode copiar. Qual é o problema? Aprender e aceitar novos erros... Se estamos agarrados a anos passados, ao 25 de Abril, se formos continuar assim, vamos virar uma Cuba.”
Preocupados com o futuro, os jovens eleitores do Chega admitem que o futuro é uma preocupação constante. Além da imigração, tema referido por muitos, todos admitem que a falta de oportunidades “pesa muito” para que tenham votado em André Ventura. Rodrigo Santos, mecânico de 19 anos a trabalhar na oficina do pai, reconhece que se a situação não melhorar “daqui a alguns anos tem de ir para a Suíça”. Também Gonçalo Tomé está a ver o irmão a preparar-se para sair do país, referindo que já acabou a faculdade e está a estudar Alemão “porque não consegue arranjar aqui a vida”. Aos olhos dos mais jovens, Ventura tornou-se uma espécie de bilhete para um futuro melhor — e foram poucos os que, nas muitas paragens no país, assumiram outro voto que não no Chega.
Há eleitores do Chega que consideram que Ventura não deve ser candidato à Presidência da República. Que “não pode ser candidato a tudo” ou que “o país precisa dele para primeiro-ministro” são algumas das justificações dadas na hora de escolher entre o presidente do partido e Henrique Gouveia e Melo. O nome do almirante é reconhecido por uma larga maioria — com vários a descrevê-lo como o homem certo para pôr o país na ordem, para que haja regras e que olham para a opção como muito válida. Se há uns que não têm dúvidas de que o seu voto ficaria bem entregue, há nesta base de eleitorado do Chega quem não vá à bola com Gouveia e Melo. São poucos e tem sobretudo a ver com críticas feitas ao trabalho enquanto coordenou a task force da vacinação contra a Covid-19, mas o contrário existe em muito maior número.
Ainda que vários eleitores do partido preferissem ver André Ventura novamente como candidato, o líder do Chega, que agora é líder da oposição, continua a alimentar o tabu sobre se é ou não candidato a Belém (cada vez colocando-se mais longe), sendo que anunciou há poucos meses que o partido tinha decidido não apoiar ninguém externo e que seria ele próprio a ir a votos. Muito mudou desde então, não só novas eleições legislativas como a alteração do panorama no Parlamento, que dificilmente permitirá a Ventura não se focar em ser oposição ao Governo, com o sonho de um dia lá chegar. Praticamente metade dos eleitores, que são 100% Ventura para legislativas e para primeiro-ministro, não garantem votar no líder do Chega para Belém se o opositor for Gouveia e Melo. Metade (52%) votariam em Ventura, mas, nos restantes 48%, um quarto votaria no almirante e os restantes ficariam indecisos entre um dos dois. O almirante é mesmo popular entre os eleitores do Chega.
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Agradecimentos a quem aqui trouxe esta notícia: https://observador.pt/especiais/o-que-pensam-os-eleitores-do-chega/ (artigo originariamente escrito sob o acordo ortográfico de 1990 mas corrigido aqui à luz da ortografia portuguesa)
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Salta à vista a «subtil» arrogância elitista de quem escreveu o artigo, ou por ideologia própria ou por contágio argumentativo no seio dos grandessíssimos mé(r)dia, nomeadamente no que diz respeito ao alegado contraste de o eleitorzinho «chegano» coitadinho nunca ter sido assaltado por imigrantes mas mesmo assim dizer que há ligação entre criminalidade e imigração... vá lá que, mais a meio, diz frontalmente que afinal os eleitores do Chega pura e simplesmente não confiam nos tais «dados oficiais» e, melhor, que a polícia sabe que há boas razões para não confiar de facto nesses números revelados pelas elites, uma vez que as mesmíssimas elites proíbem a revelação da identidade racial e/ou étnica dos criminosos...
O povo acorda e, pela primeira vez, tem uma força partidária forte na qual pode votar para expressar a sua real opinião sobre a imposição da iminvasão que a elite lhe quer impor.
Acto contínuo, a elite zanga-se e seus porta-vozes, lacaios & papagaios guincham de ódio, não gostam que afinal o «povinho» rejeite o ideal de mundo sem fronteiras...